<strong>de</strong> uma interpretação sistemática <strong>do</strong>s contratos, levan<strong>do</strong>-se menos emconta o teor estrito das cláusulas contratuais, e dan<strong>do</strong>-se mais importânciaao comportamento das partes, sempre nortea<strong>do</strong> pelo princípio daboa‐fé objetiva e da confiança entre os contratantes.O instituto distancia-se, portanto, da visão tradicional e estática darelação obrigacional — voltada única e exclusivamente para o cumprimentoe para o advento <strong>do</strong> termo — e se insere em uma visão mais dinâmicadas obrigações, on<strong>de</strong> a relação obrigacional é vista como um “sistema <strong>de</strong>processos”, composto por um “conjunto <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s necessárias à satisfação<strong>do</strong> interesse <strong>do</strong> cre<strong>do</strong>r” 11 .2. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO INSTITUTO2.1 Inspiração: The duty to mitigate the losses <strong>do</strong>ctrineAntes <strong>de</strong> analisar a inserção <strong>do</strong> inadimplemento antecipa<strong>do</strong> no or<strong>de</strong>namentojurídico brasileiro, é preciso remontar a uma teoria que nãoapenas o influenciou, mas que serviu como base para a sua criação nosistema da Common Law. Trata-se da <strong>do</strong>utrina inglesa da “mitigation oflosses”, inspirada em i<strong>de</strong>ia que se apresenta como ramificação, ou mesmo,“figura correlata” 12 ao princípio da boa-fé objetiva.De acor<strong>do</strong> com os juristas ingleses, em razão da boa-fé, o cre<strong>do</strong>rque se sentir lesa<strong>do</strong> por algum comportamento <strong>do</strong> <strong>de</strong>ve<strong>do</strong>r terá o <strong>de</strong>verlegal <strong>de</strong> agir <strong>de</strong> maneira a não agravar a sua perda ou o dano provoca<strong>do</strong>pela contraparte. Segun<strong>do</strong> ANELISE BECKER 13 , tal <strong>do</strong>utrina <strong>de</strong>terminou apossibilida<strong>de</strong> da quebra antecipada <strong>do</strong> contrato, pois, quan<strong>do</strong> o <strong>de</strong>ve<strong>do</strong>rtiver atua<strong>do</strong> <strong>de</strong> forma a comprometer a preservação <strong>do</strong> contrato, o cre<strong>do</strong>rnão apenas po<strong>de</strong>rá, como também terá o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> evitar o prolongamento<strong>do</strong>s danos — <strong>de</strong>ven<strong>do</strong>, inclusive, invocar a quebra <strong>do</strong> contrato.Para contextualizar a teoria, reproduza-se o seguinte exemplo,trazi<strong>do</strong> pela <strong>do</strong>utrina 14 : Determinada companhia <strong>de</strong> aviação teria encomenda<strong>do</strong>três aeronaves para serem entregues em <strong>do</strong>is anos conta<strong>do</strong>s dacontratação. Passa<strong>do</strong>s <strong>do</strong>is meses, o fabricante <strong>de</strong> aviões <strong>de</strong>clara expres-11 COUTO E SILVA, Clóvis V. <strong>do</strong>. A Obrigação como Processo. FGV, <strong>Rio</strong> <strong>de</strong> Janeiro, 2006, p. 10.12 PINTO, Cristiano Vieira Sobral, Direito Civil Sistematiza<strong>do</strong>, 2ª Edição, Forense, <strong>Rio</strong> <strong>de</strong> Janeiro, 2011, p. 318.13 "Inadimplemento Antecipa<strong>do</strong> <strong>do</strong> Contrato" in Revista <strong>de</strong> Direito <strong>do</strong> Consumi<strong>do</strong>r, n.º 12 - Outubro/Dezembro,1994, p. 74.14 LABOURIAU, Miguel, "Algumas consi<strong>de</strong>rações sobre o inadimplemento antecipa<strong>do</strong> no direito brasileiro" In RevistaTrimestral <strong>de</strong> Direito Civil, v. 42, abril/junho 2010, Padma, <strong>Rio</strong> <strong>de</strong> Janeiro, p. 114-115.R. EMERJ, <strong>Rio</strong> <strong>de</strong> Janeiro, v. 14, n. 56, p. 145-172, out.-<strong>de</strong>z. 2011 147
samente não po<strong>de</strong>r realizar a prestação. Nesse caso, é plenamente justificávelque a companhia busque os meios resolutórios em tempo hábil eextinga o contrato com base no inadimplemento antecipa<strong>do</strong>. Isso porque,caso a companhia permaneça inerte e aguar<strong>de</strong> até o advento <strong>do</strong> termopara tomar alguma providência, os danos que lhe serão causa<strong>do</strong>s alcançarãoproporções muito maiores, e, quem sabe, irreparáveis a esse tempo.Diante disso, caso o cre<strong>do</strong>r venha a atuar <strong>de</strong> maneira negligentee <strong>de</strong>ixe <strong>de</strong> tomar as medidas cabíveis à mitigação das perdas, o <strong>de</strong>ve<strong>do</strong>rfaltoso po<strong>de</strong>rá pedir a redução das perdas e <strong>do</strong>s danos, em proporçãoidêntica ao montante que po<strong>de</strong>ria ter si<strong>do</strong> diminuí<strong>do</strong>.No entanto, há quem critique esse entendimento, uma vez que,mesmo em tal hipótese, ainda subsistiria para o <strong>de</strong>ve<strong>do</strong>r a possibilida<strong>de</strong><strong>de</strong> retratar o seu repúdio à realização da prestação. Afirma-se que, em razãoda continuida<strong>de</strong> na aceitação <strong>do</strong> cumprimento pelo cre<strong>do</strong>r, e tambémpelo aumento <strong>do</strong>s danos no transcorrer <strong>do</strong> tempo, haveria um estímuloao <strong>de</strong>ve<strong>do</strong>r para se retratar 15 .Apesar das críticas, o fato é que, em 1980, com a ratificação da Convenção<strong>de</strong> Viena Sobre Venda Internacional <strong>de</strong> Merca<strong>do</strong>ria, a <strong>do</strong>utrina da“mitigation of losses” veio a ser positivada em diversos países <strong>de</strong> Civil Law(assim como o próprio instituto da “anticipatory breach of contract”, queganhou um dispositivo específico na Convenção). Assim ficou estabeleci<strong>do</strong>no artigo 77 da Convenção:“A parte que invoca a violação <strong>do</strong> contrato <strong>de</strong>ve tomar asmedidas razoáveis, face às circunstâncias, para limitar a perda,aí compreendi<strong>do</strong> o lucro cessante, resultante da violaçãocontratual. Se não o fizer, a parte faltosa po<strong>de</strong> pedir uma reduçãoda in<strong>de</strong>nização por perdas e danos, no montante daperda que <strong>de</strong>veria ter si<strong>do</strong> evitada.” 16Apesar <strong>de</strong> a <strong>do</strong>utrina da mitigação das perdas não ter si<strong>do</strong> traduzidaem norma expressa no nosso or<strong>de</strong>namento, ela passou a ser vistacomo <strong>de</strong>corrência <strong>do</strong> princípio da boa-fé objetiva, conforme se extrai <strong>do</strong>Enuncia<strong>do</strong> n.º 169 da III Jornada <strong>de</strong> Direito Civil,: “O princípio da boa-féobjetiva <strong>de</strong>ve levar o cre<strong>do</strong>r a evitar o agravamento <strong>do</strong> próprio prejuízo”.15 WASHOFSKY, Leonard. A., "Contracts – Anticipatory Breach – Specific Performance" in Tulane Law Review, v. XXXIII,1959, p. 233.16 Acessa<strong>do</strong> em 27.01.11 às 17:20.148R. EMERJ, <strong>Rio</strong> <strong>de</strong> Janeiro, v. 14, n. 56, p. 145-172, out.-<strong>de</strong>z. 2011
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