Assim, não há controvérsia quan<strong>do</strong> se <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>, em tese, a dignida<strong>de</strong>da pessoa humana. Mas quan<strong>do</strong>, por exemplo, discute-se se, em<strong>de</strong>termina<strong>do</strong> caso concreto, é possível a interrupção da gravi<strong>de</strong>z <strong>de</strong> umfeto com anencefalia 25 , alguns <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>rão, sob o argumento da tutela dadignida<strong>de</strong> humana, a vida <strong>do</strong> feto (bem indisponível e acima <strong>de</strong> qualqueroutro direito contraposto), já outros, com o mesmo argumento da dignida<strong>de</strong>,em favor da gestante, argumentarão que <strong>de</strong>ve ser preservada aintegrida<strong>de</strong> física e psíquica da mulher, evitan<strong>do</strong> um sofrimento imensoe inútil, saben<strong>do</strong>-se que a gestação é, cientificamente, inviável. Po<strong>de</strong>-seafirmar que ambas as argumentações são simultaneamente válidas; contu<strong>do</strong>,isto torna a dignida<strong>de</strong> da pessoa humana uma fórmula vazia, semnenhum valor argumentativo.Para dar conteú<strong>do</strong> ao referi<strong>do</strong> valor, uma das duas interpretações<strong>de</strong>ve ser consi<strong>de</strong>rada, necessariamente, falsa, tornan<strong>do</strong> a dignida<strong>de</strong> humanaum valor relativo às circunstâncias situacionais importas pelo casoconcreto. Nesse contexto, quanto ao papel da norma, verificou-se que asolução <strong>do</strong>s problemas jurídicos nem sempre se encontra no relato abstrato<strong>do</strong> texto normativo, bem como o papel <strong>do</strong> juiz não é apenas o <strong>de</strong> conhecimentotécnico, volta<strong>do</strong> para revelar a solução contida no enuncia<strong>do</strong>normativo 26 .3.2. Constitucionalização <strong>do</strong> processoA Constituição, portanto, é o ponto <strong>de</strong> partida para a interpretação ea argumentação jurídica, assumin<strong>do</strong> um caráter fundamental na construção<strong>do</strong> neoprocessualismo. A partir <strong>do</strong> momento em que se contemplaram amplosdireitos e garantias, tornaram-se constitucionais os mais importantesfundamentos <strong>do</strong>s direitos material e processual, surgin<strong>do</strong> a <strong>de</strong>nominadaconstitucionalização <strong>do</strong> direito infraconstitucional. Deste mo<strong>do</strong>, alterou-se,radicalmente, o mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> construção (exegese) da norma jurídica.A lei (e sua visão codificada <strong>do</strong> século XIX) per<strong>de</strong>u sua posiçãocentral como fonte <strong>do</strong> direito e passou a ser subordinada à Constituição,não valen<strong>do</strong> por si só, mas somente se conformada com a Constituiçãoe, especialmente, se a<strong>de</strong>quada aos direitos fundamentais. A função <strong>do</strong>sjuízes, pois, ao contrário <strong>do</strong> que <strong>de</strong>senvolvia Giuseppe Chiovenda, no25 Cfr. STF, ADPF n° 54.26 CAMBI, Eduar<strong>do</strong>. Neoconstitucionalismo e neoprocessualismo. Panóptica, Vitória, ano 1, n. 6, fev. 2007, p. 1-44.Disponível em: , p. 20-21.R. EMERJ, <strong>Rio</strong> <strong>de</strong> Janeiro, v. 14, n. 56, p. 74-107, out.-<strong>de</strong>z. 2011 87
início <strong>do</strong> século XX, <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> ser apenas atuar (<strong>de</strong>clarar) a vonta<strong>de</strong> concretada lei e assumiu o caráter constitucional, possibilitan<strong>do</strong>, a partirda judicial review, o controle da constitucionalida<strong>de</strong> das leis e <strong>do</strong>s atosnormativos.Atualmente já se fala que a jurisdição é uma ativida<strong>de</strong> criativa danorma jurídica <strong>do</strong> caso concreto, bem como cria, muitas vezes, a própriaregra abstrata que <strong>de</strong>ve regular o caso concreto 27 . Deve-se <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> la<strong>do</strong>a opinião <strong>de</strong> que o Po<strong>de</strong>r Judiciário só exerce a função <strong>de</strong> legisla<strong>do</strong>r negativo,para compreen<strong>de</strong>r que ele concretiza o or<strong>de</strong>namento jurídico diante<strong>do</strong> caso concreto 28 - 29 .O direito fundamental <strong>de</strong> acesso à justiça, previsto no artigo 5º, incisoXXXV, da CF significa o direito à or<strong>de</strong>m jurídica justa 30 . Assim, a <strong>de</strong>signaçãoacesso à justiça não se limita apenas à mera admissão ao processoou à possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ingresso em juízo, mas, ao contrário, essa expressão<strong>de</strong>ve ser interpretada extensivamente, compreen<strong>de</strong>n<strong>do</strong> a noção ampla<strong>do</strong> acesso à or<strong>de</strong>m jurídica justa, que abrange: (i) o ingresso em juízo; (ii) aobservância das garantias compreendidas na cláusula <strong>do</strong> <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> processolegal; (iii) a participação dialética na formação <strong>do</strong> convencimento <strong>do</strong> juiz,que irá julgar a causa (efetivida<strong>de</strong> <strong>do</strong> contraditório); (iv) a a<strong>de</strong>quada etempestiva análise, pelo juiz, natural e imparcial, das questões discutidasno processo (<strong>de</strong>cisão justa e motivada); (v) a construção <strong>de</strong> técnicas processuaisa<strong>de</strong>quadas à tutela <strong>do</strong>s direitos materiais (instrumentalida<strong>de</strong> <strong>do</strong>processo e efetivida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s direitos) 31 .Assim, para uma perfeita compreensão <strong>de</strong> acesso à or<strong>de</strong>m jurídicajusta faz-se necessário examinar o conjunto <strong>de</strong> garantias e <strong>do</strong>s princípiosconstitucionais fundamentais ao direito processual, o qual se insere no<strong>de</strong>nomina<strong>do</strong> direito fundamental ao processo justo.Nesse conjunto <strong>de</strong> garantais e princípios constitucionais processuaisincluem-se o direito <strong>de</strong> ação, a ampla <strong>de</strong>fesa, a igualda<strong>de</strong> e o contra-27 DIDIER JR., Fredie. Curso <strong>de</strong> Direito Processual Civil. Editora Jus Podivm. 11ª Ed. v. I. p. 70.28 ÁVILA, Humberto. Teoria <strong>do</strong>s princípios – da <strong>de</strong>finição à aplicação <strong>do</strong>s princípios jurídicos. 7ª Ed. São Paulo:Malheiros Ed., 2007, p. 34.29 No mesmo senti<strong>do</strong>, imprescindível leitura <strong>de</strong> MENDES, Gilmar Ferreira. Curso <strong>de</strong> Direito Constitucional. GilmarFerreira Men<strong>de</strong>s, Inocêncio Mártires Coelho, Paulo Gustavo Gonet Branco. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva,2008. p. 94-97, em que clama que o estudioso, com serenida<strong>de</strong>, discuta o problema da criação judicial <strong>do</strong> direito,enumeran<strong>do</strong> várias proposições em sua <strong>de</strong>fesa.30 Cfr. Kazuo Watanabe. "Acesso à justiça e socieda<strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rna". In: Participação e processo. Coord. Ada PellegriniGrinover, Cândi<strong>do</strong> Rangel Dinamarco e Kazuo Watanabe. São Paulo: RT, 1988. P. 135.31 CAMBI, Eduar<strong>do</strong>. Neoconstitucionalismo e neoprocessualismo. Panóptica, Vitória, ano 1, n. 6, fev. 2007, p. 1-44.Disponível em: , p. 25.88R. EMERJ, <strong>Rio</strong> <strong>de</strong> Janeiro, v. 14, n. 56, p. 74-107, out.-<strong>de</strong>z. 2011
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