2. Fases Meto<strong>do</strong>lógicas <strong>do</strong> direito processualO processo civil, em uma análise evolutiva, passou por algumas fasesmeto<strong>do</strong>lógicas nas quais prevaleciam i<strong>de</strong>ias que, com o tempo, foramse mostran<strong>do</strong> anacrônicas. Nesse contexto histórico, é importante estabaleceruma visão razoável sobre essas etapas, para que possamos compreen<strong>de</strong>ra fase atual, <strong>de</strong>nominada <strong>de</strong> neoprocessualismo ou formalismovalorativo, que emerge da influência sofrida pelo processo civil <strong>do</strong> direitoconstitucional ou uma constitucionalização <strong>do</strong> processo civil. A rigor, osmo<strong>de</strong>los processuais são representa<strong>do</strong>s por quatro fases.2.1. Praxismo (ou fase sincretista)Ocorria uma confusão entre o direito material e o processual; oprocesso era estuda<strong>do</strong> apenas em seus aspectos práticos, sem preocupaçõescientíficas. A ação era o direito material em movimento, ou seja, umavez lesa<strong>do</strong> o direito material, este adquiria forças para que fosse obtidaem juízo a reparação da lesão sofrida. Nessa fase, ainda não se visualizavaa autonomia da relação jurídica processual em confronto com a relaçãojurídica material. O direito processual não era um ramo autônomo <strong>do</strong> direitoe, tampouco, havia estu<strong>do</strong>s para uma pretensa autonomia científica.O que havia era um conjunto <strong>de</strong> formas para o exercício <strong>do</strong> direito, sobuma condução pouco participativa <strong>do</strong> juiz.No século XIX, com estu<strong>do</strong>s alemães sobre natureza jurídica daação, bem como sobre natureza jurídica <strong>do</strong> processo, tal fase começou aruir, pois os conhecimentos eram empíricos, sem nenhuma consciência <strong>de</strong>princípios ou embasamento científico.2.2. Processualismo (ou fase <strong>do</strong> autonomismo)O processo passou a ser estuda<strong>do</strong> autonomamente, ganhou relevoa sua afirmação científica <strong>do</strong> processo. Durante praticamente um séculotiveram lugar as gran<strong>de</strong>s teorias processuais, especialmente sobre a naturezajurídica da ação e <strong>do</strong> processo, as condições da ação e os pressupostosprocessuais 6 .6 BÜLOW, Oskar. La teoria <strong>de</strong> las excepcionais Procesales y los Presupuestos Procesales. Trad. Miguel Angel RosasLichtschein. Buenos Aires: Ejea, 1964. Tal obra é tida como “certidão <strong>de</strong> nascimento <strong>do</strong> processo civil” (DINAMARCO.Instituições..., v. 1, p. 258), todavia, o estu<strong>do</strong> <strong>do</strong> processo como relação jurídica vem <strong>de</strong> Hegel, sen<strong>do</strong> mais tar<strong>de</strong>lembra<strong>do</strong> por Bethmann-Holweg para só então ser trabalhada por Bülow (PONTES DE MIRANDA, FranciscoCavalcanti, Comentários ao Código <strong>de</strong> Processo Civil. 4. ed. <strong>Rio</strong> <strong>de</strong> Janeiro, 1997, tomo III, p. 435), apud DANIELMITIDIEIRO, "Bases para construção <strong>de</strong> um processo civil cooperativo: o direito processual civil no marco teórico <strong>do</strong>formalismo-valorativo". Tese <strong>de</strong> <strong>do</strong>utora<strong>do</strong> UFRS, Porto Alegre, 2007, p. 20, nota 64.R. EMERJ, <strong>Rio</strong> <strong>de</strong> Janeiro, v. 14, n. 56, p. 74-107, out.-<strong>de</strong>z. 2011 77
A afirmação da autonomia científica <strong>do</strong> direito processual foi umagran<strong>de</strong> preocupação <strong>de</strong>sse perío<strong>do</strong>, em que as gran<strong>de</strong>s estruturas <strong>do</strong> sistemaforam traçadas e os conceitos largamente discuti<strong>do</strong>s e amadureci<strong>do</strong>s.Tal fase caracterizou-se por ser muito introspectiva; era o processopelo processo. E, a rigor, tornou-se autofágica, distanciada da realida<strong>de</strong>,geran<strong>do</strong> um culto exagera<strong>do</strong> as formas processuais, no afã <strong>de</strong> enfatizar aautonomia científica.2.3. InstrumentalismoO processo, embora autônomo, passa a ser encara<strong>do</strong> como instrumento<strong>de</strong> realização <strong>do</strong> direito material, a serviço da paz social. Como aprimeira fase meto<strong>do</strong>lógica não visualizava o processo como instituiçãoautônoma, a segunda fase acabou enfatizan<strong>do</strong>, <strong>de</strong>masiadamente, a técnica,o formalismo.Nesse senti<strong>do</strong>, surgiu a instrumentalida<strong>de</strong>, negan<strong>do</strong> o caráter puramentetécnico <strong>do</strong> processo, <strong>de</strong>monstran<strong>do</strong> que o processo não é umfim em si mesmo, mas um meio para se atingir um fim, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> umai<strong>de</strong>ologia <strong>de</strong> acesso à justiça. Essa fase é, eminentemente, crítica, poiso processualista mo<strong>de</strong>rno sabe que a sua ciência atingiu níveis expressivos<strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento, porém o sistema ainda é falho na sua missão <strong>de</strong>produzir justiça. O processo passou a ser analisa<strong>do</strong> a partir <strong>de</strong> resulta<strong>do</strong>spráticos, levan<strong>do</strong> em conta o consumi<strong>do</strong>r <strong>do</strong> serviço judiciário.Cumpre registrar que tal fase ainda não exauriu o seu potencial reformista,mas já se formou a consciência <strong>do</strong> relevante papel <strong>do</strong> sistemaprocessual e <strong>de</strong> sua complexa missão perante a socieda<strong>de</strong> e o Esta<strong>do</strong>.Para tanto, basta recordarmos <strong>do</strong>s Juiza<strong>do</strong>s Especiais Cíveis, da ação civilpública, <strong>do</strong> manda<strong>do</strong> <strong>de</strong> segurança individual e coletivo, da DefensoriaPública, <strong>do</strong> CDC etc.Não obstante se reconheçam as diferenças funcionais entre o direitoprocessual e o direito material, estabelece-se entre eles uma relação circular<strong>de</strong> inter<strong>de</strong>pendência: o direito processual concretiza e efetiva o direitomaterial, que confere ao primeiro o seu senti<strong>do</strong>. É a chamada teoria circular<strong>do</strong>s planos processual e material, na visão <strong>de</strong>senvolvida por Carnelutti naqual o processo serve ao direito material, ao mesmo tempo em que é servi<strong>do</strong>por ele.78R. EMERJ, <strong>Rio</strong> <strong>de</strong> Janeiro, v. 14, n. 56, p. 74-107, out.-<strong>de</strong>z. 2011
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