Como garantia da objetivida<strong>de</strong> <strong>do</strong> conhecimento, os fatos sociais<strong>de</strong>vem ser trata<strong>do</strong>s como coisas, ou seja, como “objetos que se dão indiferentementeao olhar neutro e cauteloso <strong>do</strong> sujeito” 7 .Durkheim entrelaça, na obra analisada a seguir, <strong>do</strong>is fatos sociais: oDireito e a divisão <strong>do</strong> trabalho social.2 – O Direito e a intensificação <strong>do</strong> processo <strong>de</strong> divisão <strong>do</strong>trabalho socialInfluencia<strong>do</strong>, como tantos outros contemporâneos seus, por estu<strong>do</strong>s<strong>de</strong> biólogos <strong>do</strong> fim <strong>do</strong> século XIX, Durkheim (2004, p.3) i<strong>de</strong>ntifica adivisão <strong>do</strong> trabalho como uma lei natural, reitora não só <strong>do</strong>s organismos,como também das socieda<strong>de</strong>s, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> que a divisão <strong>do</strong> trabalho socialé, para ele, apenas um efeito particular daquele processo geral.Assim como os organismos mais acaba<strong>do</strong>s, as socieda<strong>de</strong>s complexas– como o são, p.ex., as socieda<strong>de</strong>s industriais – verificam, com gran<strong>de</strong>intensida<strong>de</strong>, o fracionamento <strong>de</strong> funções antes reunidas em poucas pessoase grupos. A especialização massiva atinge não só as funções econômicascomo também as funções políticas, administrativas, judiciárias,artísticas, científicas etc.No entanto, constata<strong>do</strong> o fato <strong>de</strong> que existe um processo geral queten<strong>de</strong> para a divisão <strong>do</strong> trabalho, ainda assim impõe-se a pergunta: <strong>de</strong>vemosresistir ou a<strong>de</strong>rir a esse processo <strong>de</strong> especialização?Será nosso <strong>de</strong>ver procurar tornar-nos um ser acaba<strong>do</strong> e completo,um to<strong>do</strong> autossuficiente, ou, ao contrário, não ser maisque a parte <strong>de</strong> um to<strong>do</strong>, o órgão <strong>de</strong> um organismo? Numapalavra, a divisão <strong>do</strong> trabalho, ao mesmo tempo que lei danatureza, também é uma regra moral <strong>de</strong> conduta humana? 8O autor respon<strong>de</strong> afirmativamente à última questão: há, para ele,um intenso valor moral na máxima que nos manda especializar-nos. E essecaráter, em síntese apertada, está no fato <strong>de</strong> que, quanto mais a socieda<strong>de</strong>se fragmenta em funções díspares e especializadas, mais ela realiza o i<strong>de</strong>al<strong>de</strong> solidarieda<strong>de</strong> social, o i<strong>de</strong>al <strong>de</strong> fraternida<strong>de</strong>, porque cada um <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>tanto mais da socieda<strong>de</strong> quanto mais for dividi<strong>do</strong> o trabalho social.7 GIANNOTTI, apud VARGAS, E. V. Op. cit., p. 143.8 DURKHEIM, É. Op. Cit., 2004, p. 4.R. EMERJ, <strong>Rio</strong> <strong>de</strong> Janeiro, v. 14, n. 56, p. 179-192, out.-<strong>de</strong>z. 2011 181
Eis o que constitui o valor moral da divisão <strong>do</strong> trabalho. Éque, por ela, o indivíduo retoma consciência <strong>de</strong> seu esta<strong>do</strong> <strong>de</strong><strong>de</strong>pendência para com a socieda<strong>de</strong>; é <strong>de</strong>la que vêm as forçasque o retêm e o contêm. Numa palavra, já que a divisão <strong>do</strong>trabalho se torna a fonte eminente <strong>de</strong> solidarieda<strong>de</strong> social,ela se torna, ao mesmo tempo, a base da or<strong>de</strong>m moral. 9A compreensão <strong>do</strong> mo<strong>do</strong> como o Direito se inclui, <strong>de</strong> maneira fundamental,no processo <strong>de</strong> justificação <strong>de</strong>ssa tese compõe o objeto <strong>de</strong>staseção <strong>do</strong> ensaio.Pois bem. Para verificar e buscar comprovar que a divisão <strong>do</strong> trabalhosocial é a causa da coesão social nas socieda<strong>de</strong>s complexas, em que oprocesso <strong>de</strong> especialização é intenso, o autor propõe uma análise comparativa<strong>do</strong> tipo <strong>de</strong> vínculo social oriun<strong>do</strong> <strong>de</strong>ssas socieda<strong>de</strong>s complexas comaquele oriun<strong>do</strong> <strong>de</strong> socieda<strong>de</strong>s menos evoluídas (socieda<strong>de</strong>s simples, primitivas),ou seja, uma comparação entre diferentes expressões da moralida<strong>de</strong>social – termo compreendi<strong>do</strong> por Durkheim (2004, p.420-1) comoo esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>pendência que liga o indivíduo à socieda<strong>de</strong>, conforman<strong>do</strong>suas condutas.No entanto, a moralida<strong>de</strong> social – seja nas socieda<strong>de</strong>s complexasem que viveu o autor, seja nas primitivas <strong>de</strong> que ele cogitou – não se dáa conhecer diretamente pelo observa<strong>do</strong>r, por ser um fato interno, íntimoe psicológico das relações sociais propriamente ditas. Por isso, o autorpropõe e <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> inferir a moralida<strong>de</strong> social prepon<strong>de</strong>rante em cada tipo<strong>de</strong> socieda<strong>de</strong> a partir <strong>de</strong> um efeito concreto, seguro e observável que elaproduza; a partir <strong>de</strong> um fato social presente em toda e qualquer socieda<strong>de</strong>,em to<strong>do</strong> e qualquer tempo.Tal efeito, tal fato social, tal representação da moralida<strong>de</strong> social,Durkheim o vai encontrar nas regras jurídicas; o símbolo visível da moralida<strong>de</strong>social é o direito.[A] vida social, on<strong>de</strong> quer que exista <strong>de</strong> maneira dura<strong>do</strong>ura,ten<strong>de</strong> inevitavelmente a tomar uma forma <strong>de</strong>finida e a seorganizar, e o direito nada mais é que essa mesma organizaçãono que ela tem <strong>de</strong> mais estável e preciso. A vida geralda socieda<strong>de</strong> não po<strong>de</strong> se esten<strong>de</strong>r num ponto sem que avida jurídica nele se estenda ao mesmo tempo e na mesma9 DURKHEIM, É. Op. Cit., 2004, p. 423.182R. EMERJ, <strong>Rio</strong> <strong>de</strong> Janeiro, v. 14, n. 56, p. 179-192, out.-<strong>de</strong>z. 2011
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