A Construção do “ser médico” - Centro de Referência e Treinamento ...
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As respostas <strong>do</strong>s estudantes <strong>do</strong>s anos seguintes e os resi<strong>de</strong>ntes<br />
foram semelhantes. Eles <strong>de</strong>talham os aspectos difíceis da vivência com os<br />
estu<strong>do</strong>s anatômicos, as estratégias usadas para enfrentar o cadáver e<br />
disfarçar o me<strong>do</strong>. Alguns ensaiam reflexões críticas quanto ao processo.<br />
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Vamos <strong>de</strong>stacar inicialmente as respostas que apontam aspectos<br />
comuns com os exemplos já cita<strong>do</strong>s <strong>do</strong>s alunos <strong>do</strong>s primeiros anos, e as<br />
estratégias usadas.<br />
“Ah, é terrível o início. Aquilo dali realmente! E você <strong>de</strong>pois<br />
acostuma. Foi difícil ver pela primeira vez, eu nunca tinha<br />
visto, fiquei chocada, fiquei guardan<strong>do</strong> o rosto <strong>de</strong>le, sabe,<br />
eu tinha me<strong>do</strong>. Fiquei um tempo sem comer carne<br />
também, porque você vê muita semelhança, eu lembrava,<br />
pôxa.” [Fragmento <strong>de</strong> entrevista – Clara - 5º Ano/10º perío<strong>do</strong>]<br />
“Ah, eu fiquei chocada no começo. Eu assim, não queria<br />
chegar perto, no começo eu achava tão chocante, e <strong>de</strong>pois a<br />
pessoa, não sei, banaliza um pouco... porque as peças as<br />
vezes, parecem um pedaço <strong>de</strong> borracha, não é vermelhinho,<br />
não tem pele, não tem pêlo, parece um boneco, mas<br />
quan<strong>do</strong> você vê o cadáver fecha<strong>do</strong> com a pele, ele inteiro, o<br />
choque é diferente mesmo formoliza<strong>do</strong>, tem o rosto que<br />
lembra. Mas a gente se acostuma com coisa ruim [...] fui<br />
chegan<strong>do</strong>, não gostava muito <strong>de</strong> pegar, <strong>de</strong> olhar, quan<strong>do</strong><br />
tinha uma cabeça assim, pra mim era muito chocante, eu não<br />
gostava <strong>de</strong> olhar, olhava meio torto assim <strong>de</strong> la<strong>do</strong>, só quan<strong>do</strong><br />
tinha que olhar mesmo. No começo facilitava, não olhar<br />
pro rosto, não fixar muito assim, se tinha que mexer na<br />
perna olhava só pra perna, facilitava no começo, <strong>de</strong>pois<br />
passou, foi meio na marra, não fiz nada prepara<strong>do</strong>,<br />
programa<strong>do</strong> não.” [Fragmento <strong>de</strong> entrevista – Fernanda - 4º<br />
Ano/8º perío<strong>do</strong>]<br />
“Eu acho que fui uma... eu acho que eu fui uma das que teve<br />
a reação um pouco melhor aqui, teve gente que nossa,<br />
vomitou, saiu da sala...Lógico que eles fazem <strong>de</strong> tu<strong>do</strong> pra<br />
não <strong>de</strong>monstrar que ‘tão’ passan<strong>do</strong> mal. To<strong>do</strong> mun<strong>do</strong> quer<br />
mostrar que aquilo é uma coisa natural, só que não é, e<br />
você não tem preparação nenhuma. Você tá com 16 anos <strong>de</strong><br />
ida<strong>de</strong>, e você nunca viu um morto. Eu nunca tinha visto um<br />
morto. Ninguém tem a reação na hora, pelo menos tenta<br />
disfarçar, não pega bem porque você é aluno <strong>de</strong> medicina,<br />
tem que agüentar. Mas aí além <strong>de</strong>sse momento, quan<strong>do</strong>