A Construção do “ser médico” - Centro de Referência e Treinamento ...
A Construção do “ser médico” - Centro de Referência e Treinamento ...
A Construção do “ser médico” - Centro de Referência e Treinamento ...
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
186<br />
“Paciente Fulano encontra-se interna<strong>do</strong> no hospital em que<br />
trabalho, para se tratar <strong>de</strong> um câncer terminal, digo <strong>de</strong> um<br />
câncer em fase avançada, um câncer <strong>de</strong> estômago. O<br />
mesmo encontra-se em seu leito sem condições <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>ambulação, emagreci<strong>do</strong>, sofren<strong>do</strong> com fortes <strong>do</strong>res.<br />
Apresenta alguns momentos <strong>de</strong> <strong>de</strong>pressão, <strong>de</strong>sespero,<br />
em que pe<strong>de</strong> para que apressemos a morte <strong>de</strong>le. Neste<br />
momento falo que não seria esse o melhor caminho e que ele<br />
tenha calma neste momento, porque faremos, eu e to<strong>do</strong> o<br />
resto da equipe, o que for melhor para ele. [conforto físico]<br />
A família está angustiada por não saber ou querer saber,<br />
negan<strong>do</strong> o real prognóstico <strong>do</strong> seu familiar moribun<strong>do</strong>.<br />
Limito-me a respon<strong>de</strong>r apenas as perguntas que a mim<br />
são feitas, além <strong>de</strong> prestar esclarecimentos da situação<br />
“básica” <strong>do</strong> <strong>do</strong>ente. [comunicação ambígua, não clara] O<br />
diagnóstico digo sem utilização <strong>de</strong> termos técnicos, <strong>de</strong><br />
forma que fique o mais claro possível para o<br />
entendimento <strong>do</strong>s interessa<strong>do</strong>s. Chega então o momento<br />
em que o paciente piora e a família mesmo saben<strong>do</strong> <strong>do</strong><br />
real prognóstico <strong>do</strong> paciente, [comunicação ambígua]<br />
age como se não soubesse e <strong>de</strong>sesperadamente pe<strong>de</strong>m<br />
aos médicos, incluin<strong>do</strong> eu, que não <strong>de</strong>ixe seu familiar morrer.<br />
Eu, humil<strong>de</strong>mente, na condição <strong>de</strong> médico que utiliza-se <strong>de</strong><br />
técnicas e instrumentos que estão ao meu alcance digo que<br />
não há mais o que a medicina possa fazer. [evitar a morte]<br />
Digo também que qualquer conduta que eu viesse tomar para<br />
prolongar a vida <strong>do</strong> paciente seria para aumentar o<br />
sofrimento <strong>do</strong> mesmo. Neste momento a família compreen<strong>de</strong><br />
que chegou ao fim.” [Rodrigo, Resi<strong>de</strong>nte 2]<br />
Chamamos a atenção nessa “cena” para a possibilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> uso <strong>de</strong><br />
uma estratégia (provavelmente pouco consciente) <strong>de</strong> enfrentamento <strong>do</strong><br />
sofrimento <strong>do</strong> outro (paciente e família) diante da proximida<strong>de</strong> da morte – “a<br />
psicologização <strong>do</strong> morrer”.<br />
Pouco se tem fala<strong>do</strong> na literatura sobre “a psicologização <strong>do</strong> morrer”.<br />
Nesse senti<strong>do</strong> encontramos em Zaidhaft (1990, p.110) algumas explicações<br />
que corroboram alguns acha<strong>do</strong>s insinua<strong>do</strong>s nas “cenas” <strong>de</strong> alguns<br />
estudantes, particularmente exemplificadas na cena em questão. O referi<strong>do</strong><br />
autor <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> que: