A Construção do “ser médico” - Centro de Referência e Treinamento ...
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Her<strong>de</strong>iros <strong>de</strong> um processo <strong>de</strong> mitificação social e institucional da<br />
figura <strong>do</strong> médico como o salva<strong>do</strong>r; é apenas diante da morte <strong>de</strong> um<br />
paciente, <strong>do</strong>s limites <strong>de</strong> sua atuação, que eles po<strong>de</strong>rão se encontrar com a<br />
<strong>do</strong>r <strong>de</strong> não ser Deus, sen<strong>do</strong> obriga<strong>do</strong>s a encarar que não são onipotentes,<br />
como, por vezes, se ilu<strong>de</strong>m no percurso <strong>de</strong> sua formação.<br />
Durante o curso médico, como já cita<strong>do</strong> pelos estudantes no capitulo<br />
6, o aluno vai, por meio <strong>de</strong> um mecanismo dissociativo e da coerção <strong>de</strong><br />
alguns discursos, <strong>de</strong>smitifican<strong>do</strong> a morte para se acostumar com ela, fato<br />
que os tornaria “diferente <strong>do</strong>s não-médicos”. Isso se <strong>de</strong>ve ao fato <strong>de</strong> ele<br />
supostamente ter um certo po<strong>de</strong>r diante da morte, inicialmente em profaná-la<br />
ao manuseá-la no anatômico, e posteriormente <strong>de</strong> vencê-la quan<strong>do</strong> ocorrem<br />
as curas, o que vai enaltecen<strong>do</strong> seu papel. Consorte (1983, p. 52) explica:<br />
179<br />
Quan<strong>do</strong> você <strong>de</strong>smitifica a morte, você ganha um po<strong>de</strong>r<br />
sobre a morte, você se coloca <strong>de</strong> igual para igual. Se a morte<br />
pertence aos <strong>de</strong>uses e você <strong>de</strong>smitifica, você subiu a escala<br />
<strong>do</strong>s <strong>de</strong>uses, ela se torna companheira <strong>de</strong> trabalho, você sobe<br />
no pe<strong>de</strong>stal, você a transforma em alguma coisa com a qual<br />
você po<strong>de</strong> lidar, ela não me atemoriza, ela é o que ela é. Daí<br />
você vai <strong>de</strong>smitifican<strong>do</strong> outras coisas e daí nada realmente<br />
vale muito, nada tem um valor intrínseco, em si, absoluto.<br />
Agora você me diz, a única coisa que o médico não<br />
<strong>de</strong>smítifica é a sua própria imagem. Enquanto ele vai<br />
<strong>de</strong>smitifican<strong>do</strong> o resto, vai mitifican<strong>do</strong> a sua pessoa, se<br />
automitifican<strong>do</strong>. Quase você <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser mortal. Esta<br />
automitificação também não é só um processo individual.<br />
Mas é exigida socialmente.<br />
Ora, quanto mais o médico se i<strong>de</strong>ntificar com essa imagem <strong>de</strong> pessoa<br />
infalível, <strong>de</strong> senhor da vida e da morte, mais sentirá a morte <strong>de</strong> seu paciente<br />
como uma <strong>de</strong>rrota. A morte representará seu próprio fracasso, como ilustram<br />
os seguintes discursos: