A Construção do “ser médico” - Centro de Referência e Treinamento ...
A Construção do “ser médico” - Centro de Referência e Treinamento ...
A Construção do “ser médico” - Centro de Referência e Treinamento ...
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
196<br />
Vou até o paciente o qual to<strong>do</strong>s os dias o via pela manhã, e<br />
naquela hora quan<strong>do</strong> o vi, entendi que não havia mais jeito:<br />
estava chegan<strong>do</strong> a hora! [evitar a chegada]<br />
Eu: - Seu J. como o senhor está?<br />
J.: Tá <strong>do</strong>en<strong>do</strong> muito, <strong>do</strong>utora. A frase saiu com bastante<br />
dificulda<strong>de</strong><br />
Fiz to<strong>do</strong> o exame físico, nesse momento a enfermeira diz:<br />
- Acho que é melhor acharmos uma vaga na UTI.<br />
Nesse momento olho para seu J., seus olhos brilhavam<br />
queren<strong>do</strong> me dizer algo que seu pulmão não lhe dava ar para<br />
produzir em voz. [comunicação não verbal] Apertei sua mão e<br />
disse: chame a família <strong>de</strong>le, o que ele precisa é <strong>do</strong> conforto<br />
<strong>do</strong>s familiares. [efeito perlocucionário/ comunicação sobre<br />
o fim].<br />
Fui até a bancada on<strong>de</strong> se encontrava a prescrição, fiz toda a<br />
terapêutica possível, [conforto físico] <strong>de</strong>pois fui até ele<br />
novamente. Sob MV a 50%, ele olha para mim e não diz<br />
nada. [comunicação não verbal].<br />
Duas horas <strong>de</strong>pois, volto à enfermaria. Chego lá e vejo sua<br />
esposa, 2 filhos e 1 neta ao re<strong>do</strong>r <strong>do</strong> leito. To<strong>do</strong>s tristes,<br />
porém trazen<strong>do</strong> carinho em gestos ou palavras. Ele olha para<br />
mim, segura minha mão e pela primeira vez, em meio a tanta<br />
<strong>do</strong>r, ele me dá um sorriso. (o sorriso disse muito) Nessa hora<br />
eu percebi que estava fazen<strong>do</strong> a coisa certa. Sorri para ele e<br />
<strong>de</strong>ssa forma ele também enten<strong>de</strong>u que eu fiz a minha parte.<br />
[comunicação qualificada/ conforto emocional]<br />
No dia seguinte, não teve jeito: PCR – UTI – ÓBITO.<br />
Acho que fui médica até o fim.” [ficar até o fim] [Sofia - 6º<br />
ano/ 12º perío<strong>do</strong>]<br />
Os conflitos vivencia<strong>do</strong>s nas “cenas” se referem ao como envolver-se<br />
e como comunicar próximo à morte. Falar significa falar a alguém. A palavra<br />
quer ser palavra que vai ao encontro <strong>de</strong> alguém. Mas isso não significa<br />
apenas que a coisa em questão referida pela palavra se apresente diante <strong>de</strong><br />
mim, mas que se apresente também àquele a quem falo (Gadamer, 2002).<br />
Nesse senti<strong>do</strong>, o falar não pertence à esfera <strong>do</strong> eu, mas à esfera <strong>do</strong><br />
nós. O po<strong>de</strong>r falar <strong>do</strong>s pacientes implica sempre o seu médico ouvinte. É<br />
nesse terreno da intersubjetivida<strong>de</strong> que se encontram os temores <strong>de</strong> nossos<br />
estudantes.