A Construção do “ser médico” - Centro de Referência e Treinamento ...

É possível inferir que o processo de dissociação corpo-mente e a
dessubjetivação dos pacientes no exercício da biomedicina têm seu primeiro
modelo no treinamento obtido com os cadáveres, conforme afirmou uma
aluna: “quando é peça você dissocia mais”.
Alguns depoimentos defendem que o ensino da Anatomia seja
revisto, ou seja, que se dê um suporte emocional para os estudantes, para
que uma possível postura de frieza não seja resultado de uma prática
formativa. Por exemplo:
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“E a dissecação é muito assim, você tem um aprendizado
fantástico, eu acho que tem que ter a dissecação, não
adianta, não existe medicina sem dissecação. Mas a
forma de ensinar tinha que ser diferente. Não é bem a
forma, eu não sei, mas ter um espaço pra gente falar sobre
as emoções, sabe? É um choque o começo. Parece que é
pra gente ver o que vai enfrentar pela frente, e ir se
acostumando. Eu era muito nova, era pra ser diferente, é
tudo frio demais e a gente pode ficar assim também.”
[Fragmento de entrevista – Cecília - 5º ano/10º período]
A Anatomia, falando no respeito genérico e desmitificando a morte,
erige um dos pilares da visão médica da morte: a presença da morte
enquanto ocorrência biológica, enquanto fim de um processo vital e início de
uma série de fenômenos e de novos processos vitais, sem menção nem
lugar para os conteúdos simbólicos, existenciais. Ensina um modelo de
relação na qual uma das partes não tem nem voz, emoção ou reação, em
que não se precisam, nem se permitem sinais do humano que há em nós.
Esboçamos um esquema analítico desse processo de iniciação do
“ser médico”: a Anatomia.