1987 - Projeto de Constituiçao angustia o país
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J . Num projeto rubicundamente antidiscriminatório, absurda discriminação em favor do<br />
silvícola<br />
Segundo editorial <strong>de</strong> “O Estado <strong>de</strong> S. Paulo” (4-7-87) “a verda<strong>de</strong> é que nesse curioso anteprojeto, <strong>de</strong> que o<br />
<strong>de</strong>putado Bernardo Cabral se faz responsável principal, tudo se dá ao índio”.<br />
Em artigo para a revista “Veja” (27-5-87) o sr. Fernando Sampaio Ferreira, presi<strong>de</strong>nte da BomBril, analisa o<br />
tema, logo após tomar conhecimento do anteprojeto da Subcomissão <strong>de</strong> Minorias, cujos dispositivos concernentes aos<br />
silvícolas foram substancialmente recolhidos no <strong>Projeto</strong> Cabral:<br />
“Há pelo menos um grupo <strong>de</strong> brasileiros que não se po<strong>de</strong> queixar dos trabalhos realizados até o momento<br />
pela Assembléia Nacional Constituinte – os índios. Mesmo <strong>de</strong>sprovida <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r econômico, e sendo em certas regiões<br />
não mais do que uma ficção racial, essa comunida<strong>de</strong> estimada em 200.000 pessoas, ou 0,13% da população brasileira,<br />
tem recebido dos constituintes um tratamento muito melhor do que aquele reservado aos empresários e trabalhadores.<br />
...<br />
“Além <strong>de</strong> não <strong>de</strong>finir quem é o índio, o texto da Subcomissão <strong>de</strong> Minorias não altera os dispositivos da<br />
legislação ordinária corrente segundo os quais os índios são irresponsáveis perante a lei. ... Logo, jamais terá que<br />
prestação satisfações à polícia, ao Fisco ou às Forças Armadas, além <strong>de</strong> guardar a vantagem <strong>de</strong> ser, eternamente, um<br />
garotão <strong>de</strong> 17 anos. Em linguagem jurídica, os índios são inimputáveis. Curiosamente, porém, o projeto <strong>de</strong> lei divulgado<br />
nos últimos dias afirma, em seu artigo 18, referente às responsabilida<strong>de</strong>s dos <strong>de</strong>ficientes mentais, que ‘a responsabilida<strong>de</strong><br />
penal das pessoas portadoras <strong>de</strong> <strong>de</strong>ficiência mental será <strong>de</strong>terminada em função <strong>de</strong> sua ida<strong>de</strong> mental’. Assim, em vez <strong>de</strong><br />
se ter uma lei <strong>de</strong> proteção ao índio, acaba-se tendo uma lei <strong>de</strong> punição aos não índios – posto que até o incapacitado<br />
mentalmente é passível <strong>de</strong> punição diante da lei, enquanto o índio, ainda que no pleno gozo <strong>de</strong> sua razão, está acima<br />
<strong>de</strong>la.<br />
“Se aos índios faltam responsabilida<strong>de</strong>s, sobram, no entanto, direitos. Ao tratar da questão da terra indígena,<br />
por exemplo, o projeto da Subcomissão das Minorias estabelece que as terras ocupadas pelos índios são ‘inalienáveis,<br />
imprescritíveis e indisponíveis a qualquer título, vedada outra <strong>de</strong>stinação que não seja a posse e usufruto pelos próprios<br />
índios’. Até mesmo o subsolo das terras indígenas está protegido pela lei. Ele só po<strong>de</strong> ser explorado pelo Estado, jamais<br />
por empresa privada, e sempre com a autorização do Congresso e a concordância dos próprios índios. ...<br />
“Na mesma semana em que vinham à luz essas <strong>de</strong>cisões da Subcomissão <strong>de</strong> Minorias, a Subcomissão da<br />
Política Agrícola e Fundiária e da Reforma Agrária tenha divulgado outro texto legal que usa pelos e medidas<br />
completamente diferentes.<br />
“Segundo o projeto da Subcomissão da Política Agrícola, a proprieda<strong>de</strong> rural <strong>de</strong> quem não é índio terá que<br />
ser racionalmente aproveitada, conservar os produtos naturais, ser explorada <strong>de</strong> acordo com as regras da legislação<br />
trabalhista e, ainda assim, respeitando todas essas exigências, não po<strong>de</strong>rá exce<strong>de</strong>r uma área máxima <strong>de</strong> 100 módulos<br />
rurais. ... se não cumprir as regras, ou se sua proprieda<strong>de</strong> tiver dimensões superiores ao número <strong>de</strong> módulos rurais<br />
previsto em lei, o dono da terra estará sujeito a ‘<strong>de</strong>sapropriações por interesse social’. Como se não bastasse, o subsolo<br />
das proprieda<strong>de</strong>s dos não índios não lhes pertence. Chega-se, assim, à estranha situação em que a socieda<strong>de</strong> indígena,<br />
que não reconhece a proprieda<strong>de</strong> privada, tem seus direitos <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong> garantidos mais amplamente do que aqueles<br />
da socieda<strong>de</strong> dos não índios, cujo modo <strong>de</strong> vida se baseia precisamente na proprieda<strong>de</strong> privada.<br />
“Além <strong>de</strong> todos esses disparates, ... em seu artigo 14, o anteprojeto da Subcomissão <strong>de</strong> Minorias diz que ‘são<br />
nulos e <strong>de</strong>sprovidos <strong>de</strong> eficácia e efeitos jurídicos os atos <strong>de</strong> qualquer natureza, ainda que já praticados, tendo por objeto<br />
o domínio, a posse, o uso, a ocupação ou a concessão <strong>de</strong> terras ocupadas pelos índios’. Tomadas ao pé da letra, essas<br />
palavras significam que é preciso <strong>de</strong>volver aos índios tudo o que lhes foi tomado <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1500, ou seja, o país inteiro. Seria<br />
o caso, ainda <strong>de</strong> se mover um processo, nos termos da lei, contra o invasor português Pedro Álvares Cabral – o primeiro<br />
a violar os direitos da comunida<strong>de</strong> indígena. É brinca<strong>de</strong>ira.<br />
“Parece brinca<strong>de</strong>ira, mas o fato é que, ao tentar garantir os direitos da minoria indígena, os constituintes<br />
criaram uma situação bizarra – a discriminação odiosa da maioria dos brasileiros. Seria o caso, agora, ... [<strong>de</strong> exigir]<br />
para todos que assim queiram, o direito <strong>de</strong> também ser índio. Eu quero”.<br />
9 . O utopismo revolucionário inspirador dos trabalhos da atual Constituinte<br />
A leitura do <strong>Projeto</strong> <strong>de</strong> Constituição apresentado pela Comissão <strong>de</strong> Sistematização para<br />
discussão em Plenário (<strong>Projeto</strong> Cabral) levanta inevitavelmente a pergunta sobre a fonte <strong>de</strong> inspiração<br />
<strong>de</strong> tantos dispositivos discrepantes dos princípios e das tradições da civilização cristã.<br />
A resposta se po<strong>de</strong>rá encontrar no fato <strong>de</strong> haverem os seus propositores singrado largamente<br />
pelos mares <strong>de</strong> um utopismo revolucionário e sonhador, com vistas a aplicar ao Brasil <strong>de</strong> hoje, com<br />
as <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s inerentes à sua organização social e econômica baseada na proprieda<strong>de</strong> individual e<br />
na livre iniciativa, a trilogia “liberda<strong>de</strong> – igualda<strong>de</strong> – fraternida<strong>de</strong>” que a Revolução <strong>de</strong> 1789 impôs<br />
com furiosa radicalida<strong>de</strong> e mão <strong>de</strong> ferro à França <strong>de</strong> Luís XVI.<br />
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