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1987 - Projeto de Constituiçao angustia o país

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eleitorado ignorava o que pensavam no tocante aos gran<strong>de</strong>s problemas nacionais (e que<br />

presumivelmente ignoram, por sua vez, o que a maioria do povo pensa a tal respeito);<br />

• Admitido que o alheamento daí conseqüente, entre o povo e os candidatos, é tão gran<strong>de</strong><br />

que foi impressionante o número <strong>de</strong> votos em branco ou nulos, e se po<strong>de</strong> recear que gran<strong>de</strong> parte do<br />

eleitorado se teria abstido <strong>de</strong> votar, caso a lei vigente não tornasse (aliás anti<strong>de</strong>mocraticamente)<br />

obrigatório o exercício do voto para o povo proclamado contraditoriamente soberano;<br />

• Admitido que as correntes <strong>de</strong> esquerda na Constituinte vêm conseguindo envolver a<br />

maioria conservadora, <strong>de</strong> forma a fazer prevalecer os pontos <strong>de</strong> vista <strong>de</strong>las e incluir na futura<br />

Constituição dispositivos que implantem no país as Reformas Agrária e Urbana, ao mesmo tempo<br />

que abrem caminho para a Empresarial, - as duas primeiras com o apoio oficial do Po<strong>de</strong>r Executivo,<br />

e a terceira com claras simpatias em altas esferas políticas e publicitárias;<br />

• Admitido ainda que a implantação <strong>de</strong>ssas três Reformas (com a Reforma Agrária já agora<br />

promulgada e em franca via <strong>de</strong> execução) contraria princípios morais e jurídicos até há pouco<br />

afirmados pela gran<strong>de</strong> maioria do País como sagrados e indiscutíveis, bem como interesses privados<br />

da maior monta, fundamentais para a estabilida<strong>de</strong> social e econômica <strong>de</strong> incontáveis famílias;<br />

• Admitido, por fim, que até o momento presente a opinião pública ainda não recebeu das<br />

autorida<strong>de</strong>s competentes uma explicação clara e documentada sobre o motivo pelo qual a Reforma<br />

Agrária não se faz exclusivamente mediante a distribuição <strong>de</strong> terras no maior latifúndio inaproveitado<br />

do Oci<strong>de</strong>nte, constituído pelas terras incultas pertencentes aos Po<strong>de</strong>res públicos,<br />

É natural que incontáveis brasileiros, perturbados, chocados, lesados a fundo em seus<br />

direitos e contundidos do modo mais grave em seus interesses pessoais e familiares, se perguntem:<br />

- “Mas, afinal, por que havemos <strong>de</strong> entregar a toque <strong>de</strong> caixa, mediante preço vil, a<br />

<strong>de</strong>sconhecidos, nossas terras, nossas plantações, nossas criações e até mesmo nossas residências<br />

rurais, tão ligadas à vida <strong>de</strong> nossas famílias?”<br />

- “Por que - indagarão outros – haveremos <strong>de</strong> entregar, provavelmente também a toque <strong>de</strong><br />

caixa e a preço vil, ou sem pagamento, nossas casas, nossos prédios <strong>de</strong> renda e nossos terrenos<br />

urbanos? Com que direito nos serão arrebatados esses fundos urbanos que – como analogamente<br />

ocorreu aos proprietários rurais – recebemos por santa e legítima via <strong>de</strong> herança, ou adquirimos<br />

honradamente para estável e tranqüilo porvir <strong>de</strong> nossas famílias, mediante o fruto <strong>de</strong> nosso trabalho<br />

árduo e <strong>de</strong> nossa austera poupança?”<br />

- Por fim, perguntarão os <strong>de</strong> um terceiro grupo: “Por que haveremos <strong>de</strong> entregar, também a<br />

<strong>de</strong>sconhecidos, as empresas industriais ou comerciais que recebemos, também nós, por uma sucessão<br />

hereditária não menos legítima, ou que fundamos, mantivemos e ampliamos com o suor <strong>de</strong> nossos<br />

rostos?”<br />

* * *<br />

A resposta que a todos será dada não valerá: “Decidiu-o o po<strong>de</strong>r soberano da Constituinte, a<br />

qual é a mais alta e genuína expressão da vonta<strong>de</strong> popular. O que a vonta<strong>de</strong> popular assim <strong>de</strong>cidiu<br />

está <strong>de</strong>cidido. Ao sr. toca apenas entregar tudo, indo-se embora logo e para sempre”.<br />

Quem po<strong>de</strong>rá evitar que emerja – do fundo da memória <strong>de</strong> tantos brasileiros que forem assim<br />

golpeados, <strong>de</strong> seus familiares, <strong>de</strong> seus amigos, <strong>de</strong> todos os seus conterrâneos – a recordação nítida e<br />

ainda próxima da sensação <strong>de</strong> vazio e <strong>de</strong> inautêntico que lhe <strong>de</strong>ixou o último pleito eleitoral? Que<br />

eles se lembrem do gran<strong>de</strong> silêncio político a que essas reformas estiveram sistematicamente<br />

relegadas durante toda a campanha eleitoral, e que, em conseqüência, no espírito <strong>de</strong> todos nasça a<br />

pergunta: “Mas foi mesmo o eleitorado brasileiro que quis tudo isto?”<br />

“Oh não! – exclamará o proprietário confiscado ao executor das <strong>de</strong>cisões da inflexível<br />

Constituinte – essas eleições não provaram isso, nem provaram coisa alguma! Ao precipitar o Brasil<br />

nessas reformas, os Constituintes não exprimiram a vonta<strong>de</strong> popular. Jamais reconhecerei como<br />

válidas, no campo moral, essas reformas transgressoras <strong>de</strong> direitos que se fundam na vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> Deus<br />

e que tenho, pois, por sagrados. Enquanto tais, são eles superiores ao arbítrio do homem”.<br />

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