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1987 - Projeto de Constituiçao angustia o país

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3 . No <strong>Projeto</strong> <strong>de</strong> Constituição, a corrosão <strong>de</strong> um direito que o Estado<br />

“assegura e protege”<br />

O Substitutivo Cabral 2 principia o § 35 do art. 5 º com a afirmação – à primeira vista<br />

tranquilizadora – <strong>de</strong> que “a proprieda<strong>de</strong> privada é assegurada e protegida pelo Estado”.<br />

Entretanto, uma análise mais <strong>de</strong>tida <strong>de</strong>sse parágrafo mostra que o Substitutivo na realida<strong>de</strong><br />

corrói, das mais variadas formas, a proprieda<strong>de</strong> privada, como também a livre iniciativa.<br />

Com efeito, reza esse parágrafo: “§ 35 – A proprieda<strong>de</strong> privada é assegurada e protegida<br />

pelo Estado. O exercício do direito <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong> subordina-se ao bem-estar da socieda<strong>de</strong>, à<br />

conservação dos recursos naturais e à proteção do meio-ambiente. A lei estabelecerá o<br />

procedimento para <strong>de</strong>sapropriação por necessida<strong>de</strong> ou utilida<strong>de</strong> pública ou por interesse social,<br />

mediante justa in<strong>de</strong>nização. Em caso <strong>de</strong> perigo público iminente, as autorida<strong>de</strong>s competentes<br />

po<strong>de</strong>rão usar proprieda<strong>de</strong> particular, assegurada ao proprietário in<strong>de</strong>nização ulterior, se houver<br />

dano <strong>de</strong>corrente <strong>de</strong>sse uso”.<br />

Como se vê, logo <strong>de</strong>pois da frase tranquilizadora inicial do § 35, vem outra que não inclui o<br />

direito <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong>, mas apenas o exercício <strong>de</strong>sse direito. Porém, tal exercício está mencionado<br />

sem qualquer ressalva acautelatória <strong>de</strong>le. E, pois, po<strong>de</strong> estar integralmente sujeito às restrições do<br />

assim chamado “bem-estar da socieda<strong>de</strong>”.<br />

Ora, o Substitutivo Cabral 2 não <strong>de</strong>fine o que seja “bem-estar da socieda<strong>de</strong>”. O sentido<br />

corrente <strong>de</strong>ssa expressão – e mesmo o sentido que ela tem em Economia – é tão amplo e elástico que<br />

quase não se vê que direito possa não estar abrangido por ela. Tanto mais que o direito <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong>,<br />

sobre o qual versa o dispositivo em foco, não concerne tão-só a proprieda<strong>de</strong> imobiliária, mas ainda<br />

qualquer outro tipo <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong>, por exemplo a empresarial, a da produção artística, literária ou<br />

científica etc. Todos esses gêneros <strong>de</strong> bens, e outros ainda, ficam sujeitos irrestritamente à ação<br />

expropriatória da lei ordinária, contra cujas <strong>de</strong>masias é missão da lei Constitucional proteger<br />

o cidadão, não menos do que contra as <strong>de</strong>masias <strong>de</strong> particulares.<br />

É <strong>de</strong>snecessário acrescentar que a “subordinação” da qual trata o presente dispositivo<br />

também é mencionada sem qualquer qualificação restritiva. De sorte que po<strong>de</strong> chegar até à<br />

<strong>de</strong>sapropriação.<br />

Qual tipo <strong>de</strong> <strong>de</strong>sapropriação? A que é realizada mediante pagamento <strong>de</strong> preço justo, feito<br />

previamente, e em dinheiro? Ou a <strong>de</strong>sapropriação socialista e confiscatória, característica da Reforma<br />

Agrária vigente? O Substitutivo fala só, laconicamente, que a <strong>de</strong>sapropriação se fará “mediante justa<br />

in<strong>de</strong>nização”.<br />

“Justa” segundo os critérios reformistas, já se vê...<br />

A amplitu<strong>de</strong> do campo abrangido pelo presente parágrafo se apresenta ainda mais vasta se<br />

se consi<strong>de</strong>rar a imensida<strong>de</strong> do número <strong>de</strong> hipóteses naturalmente incluídas nas muito elásticas metas<br />

<strong>de</strong> “conservação dos recursos naturais” e “proteção do meio-ambiente”.<br />

De pouco ou nada vale um direito <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong> cujo exercício sofra tais limitações.<br />

* * *<br />

Também no art. 191 po<strong>de</strong>m parecer, ao leitor menos atento, perfeitamente “asseguradas e<br />

protegidas” a proprieda<strong>de</strong> privada e a livre iniciativa. Mas uma leitura mais <strong>de</strong>tida permite<br />

vislumbrar elementos corrosivos <strong>de</strong>sses direitos fundamentais.<br />

“Art. 191 – A or<strong>de</strong>m econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre<br />

iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social e os<br />

seguintes princípios: ....<br />

“II – proprieda<strong>de</strong> privada;<br />

III – função social da proprieda<strong>de</strong>;<br />

IV – livre concorrência...”<br />

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