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1987 - Projeto de Constituiçao angustia o país

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E, no entanto, seria indispensável que o Substitutivo não fosse omisso nessa matéria; em<br />

primeiro lugar porque, segundo o art. 233 do Substitutivo, a educação das novas gerações <strong>de</strong>ve ser<br />

orientada “ao pleno <strong>de</strong>senvolvimento da pessoa e ao seu compromisso com o repúdio a todas as<br />

formas <strong>de</strong> preconceitos e <strong>de</strong> discriminação”. Em segundo lugar, porque pune com rigor surpreen<strong>de</strong>nte<br />

os discriminadores: “Art. 5 º ... § 2 º - A lei punirá, como crime inafiançável, qualquer discriminação<br />

atentatória aos direitos e liberda<strong>de</strong>s fundamentais” 95 .<br />

Um exemplo po<strong>de</strong> servir para <strong>de</strong>monstrar até que excessos <strong>de</strong> autoritarismos e até <strong>de</strong> tirania<br />

po<strong>de</strong> conduzir a linguagem confusa do Substitutivo. Entre a forma tradicional com que, nos séculos<br />

<strong>de</strong> civilização cristã, o esposo exercia sobre sua esposa, com reverência e afeto, a autorida<strong>de</strong> marital,<br />

e a completa igualda<strong>de</strong> entre um e outro, proclamada por correntes revolucionárias <strong>de</strong> nossos dias, há<br />

uma consi<strong>de</strong>rável hierarquia <strong>de</strong> graus intermediários. Qualifiquemos <strong>de</strong> grau 1 a forma <strong>de</strong> exercício<br />

mais tradicional <strong>de</strong>sse po<strong>de</strong>r, <strong>de</strong> grau 2 uma forma apenas um pouco menos estrita <strong>de</strong>sse exercício, e<br />

assim por diante até o grau 10, que correspon<strong>de</strong>ria hipoteticamente à igualda<strong>de</strong> absoluta.<br />

Nesses termos, se os propugnadores do grau 2 qualificassem <strong>de</strong> “discriminação” os<br />

propugnadores do grau 1, os do grau 3 po<strong>de</strong>riam fazer igual censura aos <strong>de</strong> grau 2. E assim por diante.<br />

Desta forma, só estariam absolutamente isentos da acusação <strong>de</strong> sustentar posições preconcebidas os<br />

propugnadores do mais escancarado e dissolvente feminismo. De on<strong>de</strong>, conforme o modo <strong>de</strong> enten<strong>de</strong>r<br />

subjetivo <strong>de</strong>sta ou daquela autorida<strong>de</strong> judiciária ou policial, só os feministas absolutos estariam ao<br />

abrigo das severas penalida<strong>de</strong>s que o Substitutivo Cabral 2 fulmina (cfr. art. 5 º , § 2 º 96 ) contra os<br />

fautores <strong>de</strong> “discriminação”. Análoga situação se repetirá inevitavelmente em um sem-número <strong>de</strong><br />

outros temas...<br />

* * *<br />

Que a imprecisão <strong>de</strong> conceitos po<strong>de</strong> abrir campo para toda espécie <strong>de</strong> autoritarismos, vê-se<br />

ainda no art. 5 º , § 5 º : “É livre a manifestação do pensamento, vedado o anonimato e excluída a que<br />

incitar à violência ou <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r discriminação <strong>de</strong> qualquer natureza”.<br />

Que é “incitar a violência”?<br />

A resposta parece <strong>de</strong>ver ser afirmativa. Menos cauto que o Substitutivo, o <strong>Projeto</strong> Cabral era explícito a esse<br />

respeito: “Ninguém será privilegiado ou prejudicado em razão <strong>de</strong> nascimento, etnia, raça, cor, ida<strong>de</strong>, sexo, orientação<br />

sexual, estado civil, natureza do trabalho, religião, convicções políticas ou filosóficas, <strong>de</strong>ficiência física ou mental, ou<br />

qualquer outra condição social ou individual” (art. 12, III, “f”).<br />

Ora, é imoral a proibição <strong>de</strong> norma discriminatória em caso <strong>de</strong> “orientação sexual”. O homossexual, pelo<br />

próprio fato <strong>de</strong> ser portador <strong>de</strong> vício sexual contra a natureza, é <strong>de</strong> uma presença rejeitável pelo convívio humano, quer<br />

no trabalho, quer na vida social e no lazer. A homossexualida<strong>de</strong> é um daqueles pecados “que bradam aos Céus e clamam<br />

a Deus por vingança”, assim chamados porque “mais que os outros pecados apresentam uma assinalada e manifesta<br />

malícia, e atraem <strong>de</strong> modo insigne a ira e a vingança <strong>de</strong> Deus sobre aqueles que os cometem” (Car<strong>de</strong>al Pedro Gasparri,<br />

Catechismus Catholicus, Typis Polyglottis Vaticanis, 1933, 15 ª ed., p. 258).<br />

Ainda recentemente, a Congregação para a Doutrina da Fé con<strong>de</strong>nou mais uma vez esse vício, em documento<br />

enviado aos Bispos <strong>de</strong> todo o mundo (Lettera ai Vescovi <strong>de</strong>lla Chiesa Catolica sulla cura pastorale <strong>de</strong>lle persone<br />

omosessuali, “L’Osservatore Romano”, 31-10-86).<br />

95<br />

Esse dispositivo já constava do Substitutivo Cabral 1 (art. 6 º , § 5 º ), que acrescentava as seguintes palavras:<br />

“sendo formas <strong>de</strong> discriminação, entre outras, subestimar, estereotipar ou <strong>de</strong>gradar pessoas por pertencer a grupos<br />

étnicos ou <strong>de</strong> cor, por palavras, imagens ou representações em qualquer meio <strong>de</strong> comunicação”.<br />

Pena é que essa exemplificação <strong>de</strong> “formas <strong>de</strong> discriminação” tenha sido retirada, já que o sentido da palavra<br />

“discriminação” não é <strong>de</strong>finido, nem pelo Substitutivo Cabral 2, nem pelo Substitutivo Cabral 2.<br />

Entretanto, ainda que não figure no texto <strong>de</strong>finitivo, tal enumeração será usada, sem dúvida, como recurso para<br />

interpretação <strong>de</strong>sse dispositivo. Isto feito, po<strong>de</strong>r-se-á ver quanto é draconiano o dispositivo, na medida em que inclui,<br />

entre as “formas <strong>de</strong> discriminação”, por exemplo toda caricatura – ainda que não ofensiva – que graceje inocentemente<br />

acerca <strong>de</strong> alguma peculiarida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ste ou daquele grupo étnico ou racial. Ele permitiria até pren<strong>de</strong>r Monteiro Lobato, por<br />

exemplo, por haver estereotipado o agricultor sertanejo, no “Jeca Tatu”.<br />

96<br />

“Art. 5 º ... § 2 º - A lei punirá, como crime inafiançável qualquer discriminação atentatória dos direitos e<br />

liberda<strong>de</strong>s fundamentais”.<br />

201

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