1987 - Projeto de Constituiçao angustia o país
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anteriormente às eleições, são poucos, e exercem sobre os <strong>de</strong>bates da Constituinte uma influência<br />
consi<strong>de</strong>ravelmente menor do que aquela a que fariam jus.<br />
10 . Campanha eleitoral – “show”: caras e não idéias<br />
Merece ser analisada, a tal propósito, a propaganda eleitoral <strong>de</strong> 1986, espantosa pelo seu<br />
vazio, e ao longo da qual uma verda<strong>de</strong>ira torrente <strong>de</strong> faixas e <strong>de</strong> cartazes inundava as pare<strong>de</strong>s e muros<br />
<strong>de</strong> todas as cida<strong>de</strong>s, contendo tão-só o nome do candidato, sua sigla partidária, e seu número <strong>de</strong><br />
registro como candidato. Com esclarecimento para o eleitor, apenas frases como esta: “Vote em<br />
Fulano para <strong>de</strong>putado fe<strong>de</strong>ral (ou estadual)”. Quando não, mais sucintamente ainda: “Fulano é<br />
fe<strong>de</strong>ral”. Ou: “Sicrano é estadual”. O gran<strong>de</strong>, o único argumento em favor do candidato, na gran<strong>de</strong><br />
maioria dos cartazes, era a fotografia <strong>de</strong>le, impressa em cores, apresentando a expressão fisionômica<br />
e a indumentária que o candidato julgasse mais própria a lhe atrair votos.<br />
Face a esses “argumentos”, havia condições para que os anelos do público se<br />
exprimissem <strong>de</strong> modo autenticamente representativo? – Obviamente não.<br />
Diante <strong>de</strong>ssa propaganda eleitoral que constituiu um verda<strong>de</strong>iro show gráfico, ao mesmo<br />
tempo caoticamente diversificado e insuportavelmente monótono, não é <strong>de</strong> espantar que certa parcela<br />
do eleitorado votasse em branco. E, <strong>de</strong> outra parte, também não espanta que gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong> votos<br />
fosse emitido por eleitores tão displicentes e <strong>de</strong>sinformados sobre o modo <strong>de</strong> votar, que tiveram <strong>de</strong><br />
ser anulados. Ou simplesmente o anularam <strong>de</strong> propósito, talvez temerosos – como <strong>de</strong> fato se propalou<br />
– <strong>de</strong> que as cédulas em branco fossem fraudulentamente preenchidas durante a apuração.<br />
É reconhecido o feitio cordato do brasileiro. Em povos com outro tipo <strong>de</strong> temperamento,<br />
uma campanha eleitoral tão vazia daria normalmente em protestos, sarcasmos, manifestações <strong>de</strong> rua,<br />
quiçá laceração <strong>de</strong> cartazes etc.<br />
A uma campanha eleitoral show – e que magro show! – em que lhes eram apresentadas caras<br />
e não idéias, gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong> brasileiros respon<strong>de</strong>ram pela displicência do voto nulo ou pelo<br />
mutismo do voto em branco.<br />
Analisando o recente pleito, concluiu o Sr. Carlos Estevam Martins, cientista político e<br />
professor da USP: “Terminada a campanha, foi o que se viu: os eleitores simplesmente não sabiam<br />
em quem votar. Uma gran<strong>de</strong> parcela <strong>de</strong>sperdiçou o voto, seja porque votou em branco ou anulou o<br />
voto, seja porque o <strong>de</strong>u, <strong>de</strong> graça ou não, ao primeiro que apareceu” (“Folha <strong>de</strong> S. Paulo”, 9-12-86).<br />
Analisar-se-ão adiante as causas da vitória do Partido governamental (cfr. Parte II, Cap. III).<br />
Mas, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> já, cumpre pon<strong>de</strong>rar que vencer não importa necessariamente em estar revestido <strong>de</strong><br />
autêntica representativida<strong>de</strong>.<br />
Objetará alguém: e a vitória avassaladora do PMDB, não exprime, porventura, uma profunda<br />
consonância da gran<strong>de</strong> maioria do público com as metas do partido?<br />
Pon<strong>de</strong>re-se, antes <strong>de</strong> tudo, que este êxito da legenda governamental tão brilhantemente<br />
majoritária, trouxe consigo algo <strong>de</strong> contraditório. A vitória do PMDB foi indiscutível. Mas sem<br />
entusiasmo.<br />
Se entusiasmo houvesse nas fileiras do Partido governamental, o <strong>de</strong>sfecho das eleições <strong>de</strong><br />
novembro teria <strong>de</strong>spertado um júbilo generalizado, expresso por meio <strong>de</strong> comícios, <strong>de</strong> passeatas e <strong>de</strong><br />
foguetório. O que não se realizou.<br />
A eleição-sem-idéias <strong>de</strong>sfechou em uma vitória-sem-idéias-vencedoras. E portanto sem<br />
entusiasmo, sem calor, sem vida.<br />
Daí só podia resultar a Constituinte que resultou. É muito <strong>de</strong> temer que, por sua vez, <strong>de</strong>la<br />
resulte uma Constituição muito semelhante ao <strong>Projeto</strong> ora em <strong>de</strong>bate, tão impugnável sob tantos<br />
aspectos, como adiante se mostrará (cfr. Parte IV).<br />
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