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1987 - Projeto de Constituiçao angustia o país

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3 . Deficiência <strong>de</strong> informações e absorção nos assuntos da vida privada<br />

afastam a atenção dos problemas da vida pública<br />

De outro lado, no que diz respeito aos aspectos concretos e práticos <strong>de</strong> importantes questões<br />

postas em foco – como, por exemplo, a tría<strong>de</strong> <strong>de</strong> reformas, agrária, urbana e empresarial – as<br />

estatísticas oficias ou privadas <strong>de</strong> que o público dispõe são raras, e publicadas com freqüência muito<br />

inferior ao que seria necessário para manter o gran<strong>de</strong> público informado, e portanto com suficiente<br />

segurança para tomar partido consciente e responsável nas importantes questões do momento.<br />

Como se tudo isto não bastasse para que esses temas fossem cada vez mais postos <strong>de</strong> lado,<br />

acontece que, no campo da vida privada, o dia <strong>de</strong> amanhã se vai tornando sempre mais laborioso,<br />

incerto e complexo, para cada qual. As atenções se voltam então <strong>de</strong> forma cada vez mais intensa, para<br />

os problemas imediatos da or<strong>de</strong>m privada. E se vão <strong>de</strong>sinteressando das cogitações atinentes à res<br />

publica.<br />

Todos estes fatores obstam a que seja rica <strong>de</strong> pensamento e <strong>de</strong> idéias nossa vida pública. E<br />

tornam difícil que nossa <strong>de</strong>mocracia-sem-idéias se transforme em uma <strong>de</strong>mocracia-com-idéias.<br />

4 . A opinião pública se mostra bem pouco entusiasmada com os políticosprofissionais<br />

Não surpreen<strong>de</strong>, pois, que os homens <strong>de</strong> trabalho, <strong>de</strong> todos os níveis, tenham sua atenção<br />

persistentemente voltada para a respectiva área <strong>de</strong> ocupações pessoais. A política facilmente<br />

<strong>de</strong>sinteressa, assim, à gran<strong>de</strong> maioria <strong>de</strong>les. E, em conseqüência quase inelutável, nesta última só<br />

atuam os que estão em condições <strong>de</strong> fazer <strong>de</strong>la uma profissão.<br />

No Brasil, “político” tornou-se freqüentemente sinônimo <strong>de</strong> “político-profissional”,<br />

sobretudo quando se trata <strong>de</strong> político que não tem haveres pessoais suficientes para se manter sem o<br />

concurso dos honorários correlatos com o exercício <strong>de</strong> funções na vida pública.<br />

* * *<br />

Político-profissional é, pois, aquele que <strong>de</strong>dica à ativida<strong>de</strong> política uma parcela muito<br />

prepon<strong>de</strong>rante (quando só isto) <strong>de</strong> seu tempo e <strong>de</strong> suas energias; que no êxito da carreira política põe<br />

o melhor <strong>de</strong> suas esperanças e ambições; e ao qual resta, para outras ativida<strong>de</strong>s, uma parcela pouco<br />

expressiva <strong>de</strong> sua atuação no exercício <strong>de</strong> alguma profissão rendosa.<br />

Assim, mesmo fora dos períodos pré-eleitoral e eleitoral, <strong>de</strong> si tão absorventes, o políticoprofissional<br />

passa o tempo cultivando o seu eleitorado para conseguir eleger-se, ou reeleger-se.<br />

Nesse sentido, age ele junto aos po<strong>de</strong>res públicos e aos setores a<strong>de</strong>quados da economia<br />

privada, para obter cargos, gratificações, favores gran<strong>de</strong>s ou pequenos em benefício dos eleitores<br />

indicados pelos cabos eleitorais respectivos. De maneira a manter sua “pirâmi<strong>de</strong> eleitoral” nas<br />

melhores condições <strong>de</strong> confiança e <strong>de</strong> <strong>de</strong>dicação para com ele.<br />

Sobretudo está o político-profissional atento em conseguir favores para os seus cabos<br />

eleitorais, a fim <strong>de</strong> que estes lhe consigam, por sua vez, os eleitores <strong>de</strong> que precisa.<br />

Uma vez eleito, o exercício do mandato lhe absorve quase todo o tempo. E pouco lhe resta<br />

para outras ativida<strong>de</strong>s. Tanto mais quanto, logo <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> eleito, <strong>de</strong>ve começar a preparar a sua<br />

reeleição. A situação normal do político-profissional é a <strong>de</strong> um candidato permanente.<br />

Em relação a tais políticos-profissionais, a opinião pública se mostra – por motivos diversos<br />

– bem pouco entusiasmada. Se bem que essa disposição <strong>de</strong> alma seja eventualmente injusta em<br />

relação a este ou àquele político-profissional, o fato é esse (cfr. Parte II, Cap. I, 7). E não há exagero<br />

em dizer que gran<strong>de</strong> parte dos votos em branco ou nulo, das últimas eleições, se <strong>de</strong>veu à<br />

verda<strong>de</strong>ira sacieda<strong>de</strong> que o público sente em relação a candidatos que figuram habitualmente no<br />

amplo rol dos políticos-profissionais (cfr. Parte II, Cap. XIII, 2).<br />

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