1987 - Projeto de Constituiçao angustia o país
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2 . Harmonização das etnias em oposição à luta <strong>de</strong> raças<br />
O art. 243, em seu parágrafo único, prescreve que “o Estado protegerá em sua integrida<strong>de</strong><br />
e <strong>de</strong>senvolvimento, as manifestações da cultura popular, das culturas indígenas, <strong>de</strong> origem africana<br />
e das <strong>de</strong> outros grupos participantes do processo civilizatório brasileiro”.<br />
Com essas palavras fica lembrado que no Brasil não existem apenas as etnias indígena e<br />
negra, mas que outras raças têm sido por vezes chamadas, outras vezes aceitas <strong>de</strong> braços abertos, pelo<br />
nosso País, para participarem do esforço <strong>de</strong> aproveitamento <strong>de</strong> todas as nossas riquezas.<br />
Dentre as mais numerosas e mais marcadas por suas específicas características, notam-se as<br />
colônias japonesa e síria, que se têm <strong>de</strong>stacado sobremaneira nesse afã.<br />
Também importa marcar que – além dos portugueses, cuja <strong>de</strong>scendência tem muito<br />
naturalmente a prepon<strong>de</strong>rância numérica, cultural e histórica na formação do povo brasileiro – outros<br />
povos europeus, ao aqui se estabelecerem, trouxeram consigo as tradições, os hábitos, o idioma e os<br />
modos <strong>de</strong> pensar, <strong>de</strong> sentir e <strong>de</strong> viver das respectivas pátrias <strong>de</strong> origem. E, ao sabor das mais variadas<br />
circunstâncias, ora se têm diluído aqui na massa da população, ora vêm constituindo grupos próprios<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>nsida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>siguais. Mas, em todos os casos, grupos que têm causado preocupações quando<br />
certas circunstâncias fizeram antever a hipótese <strong>de</strong> um conflito com o Brasil.<br />
Foram exageradas essas apreensões? O tempo <strong>de</strong>corrido <strong>de</strong> então para cá ainda não<br />
proporciona uma perspectiva histórica suficiente para ajuizar do fato. Convém entretanto lembrar<br />
que, se essas apreensões foram em via <strong>de</strong> regra exageradas (ou talvez até muito exageradas), ou se<br />
outro tivesse sido o curso das coisas antes, durante ou <strong>de</strong>pois da II Guerra Mundial, tais apreensões<br />
po<strong>de</strong>riam ter sido muito maiores e mais justificadas. O que faz ver a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> muito equilíbrio<br />
em matérias como esta. De um lado, as nações imigratórias <strong>de</strong>vem ser generosas, acolhedoras e<br />
cristãs, no sentido mais nobre e fraterno do termo; porém, <strong>de</strong> outro lado, não <strong>de</strong>vem esquecer a<br />
falibilida<strong>de</strong> moral inerente a todos os povos, e a tendência a abusar <strong>de</strong>ssa nobre fraternida<strong>de</strong>, que<br />
po<strong>de</strong> <strong>de</strong>snortear facilmente um grupo étnico ou nacional trabalhado por algum dos tantos processos<br />
<strong>de</strong> propaganda <strong>de</strong> massa, em cujo manuseio o homem do século XX se tem mostrado exímio.<br />
O que fica assim lembrado é oportuno para que, nas reflexões sobre a matéria, se tenha em<br />
linha <strong>de</strong> conta que o mesmo po<strong>de</strong> suce<strong>de</strong>r a indígenas, cujo retardamento cultural os torna<br />
especialmente manobráveis por propagandas eficazes.<br />
Sem dúvida, toca ao Brasil “proteger” as múltiplas etnias ou grupos nacionais que<br />
constituem parcelas da nossa socieda<strong>de</strong>. As disposições <strong>de</strong> alma enunciadas com essa “proteção”<br />
trazem como corolário que os elementos das várias etnias e grupos tenham a atenção voltada<br />
prepon<strong>de</strong>rantemente para a imensa maioria luso-brasileira, mas que proporcionalmente tenham a<br />
atenção voltada também uns para os outros, com um <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> se conhecerem impregnado <strong>de</strong><br />
benevolência e <strong>de</strong> espírito <strong>de</strong> colaboração.<br />
Tal <strong>de</strong>sejo importa não só na abstenção <strong>de</strong> qualquer ato <strong>de</strong> hostilida<strong>de</strong>, mas até <strong>de</strong> fria<br />
indiferença. E isto a tal ponto que, estando uma etnia ou grupo em vias <strong>de</strong> <strong>de</strong>scaracterizar-se das<br />
respectivas qualida<strong>de</strong>s, e a dissolver-se no brouhaha da agitada vida mo<strong>de</strong>rna, encontre da parte das<br />
<strong>de</strong>mais ajuda – cultural ou <strong>de</strong> outra natureza que seja necessária – para evitar que tal ocorra.<br />
Esse <strong>de</strong>ve ser o élan centrífugo saudável, com o qual a imensa maioria brasileira <strong>de</strong> origem<br />
lusa <strong>de</strong>ve movimentar-se sistematicamente em direção aos elementos <strong>de</strong> outra origem que aqui<br />
encontramos, como os índios, ou que cá trouxemos à força, como os negros, ou por fim que para cá<br />
atraímos, quando abrimos <strong>de</strong> par em par as portas da imigração durante parte dos séculos XIX e XX.<br />
Manda, aliás, a imparcialida<strong>de</strong> que se reconheça ser muito propensa a tal a afetivida<strong>de</strong><br />
brasileira, tão impregnada <strong>de</strong> benevolência e até <strong>de</strong> carinho. De sorte que, nessa matéria, as lacunas<br />
e as incoerências narradas por nossa História, por mais censuráveis que tenham sido, conservaram<br />
sempre o caráter <strong>de</strong> contradições excepcionais do proce<strong>de</strong>r brasileiro, em relação ao que é o próprio<br />
fundo <strong>de</strong> alma <strong>de</strong> nossa nacionalida<strong>de</strong>. E contradições <strong>de</strong>ssas, que povo não as teve?<br />
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