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1987 - Projeto de Constituiçao angustia o país

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A proprieda<strong>de</strong> privada, referida no inciso II, é um dos princípios que mo<strong>de</strong>lam as finalida<strong>de</strong>s<br />

a serem obtidas pela “or<strong>de</strong>m econômica” sobre a qual dispõe esse artigo. Mas – note-se – ela não é<br />

consi<strong>de</strong>rada um dos fundamentos da atual or<strong>de</strong>m econômica. A livre iniciativa, sim, é reconhecida<br />

aqui como um dos pilares <strong>de</strong>sta or<strong>de</strong>m.<br />

Esta diferenciação <strong>de</strong> níveis entre a livre iniciativa e a proprieda<strong>de</strong> privada não tem o menor<br />

fundamento. Pois ambas são <strong>de</strong> tal maneira geminadas entre si, que a aludida diferenciação apenas<br />

exprime a antipatia do Substitutivo Cabral 2 para com a proprieda<strong>de</strong> privada.<br />

Essa matização discriminatória, que avantaja subtilmente a livre iniciativa com algum<br />

<strong>de</strong>trimento para a proprieda<strong>de</strong> privada, <strong>de</strong>ixa entrever certa influência da doutrina marxista. Pois a<br />

livre iniciativa é consi<strong>de</strong>rada aqui enquanto trabalho, ao passo que a proprieda<strong>de</strong> é vista enquanto tal,<br />

nesse dispositivo e em alguns outros. Ou seja, ela é consi<strong>de</strong>rada abstração feita da circunstância <strong>de</strong><br />

estar ou não estar sendo aproveitada.<br />

Ora, enquanto o marxismo reconhece um tal ou qual direito do indivíduo a uma tal ou qual<br />

remuneração em conseqüência do trabalho que exerça, nega ele do modo mais completo que a<br />

proprieda<strong>de</strong>, só e enquanto tal, dê origem a uma renda legítima.<br />

Também chama a atenção que figurem em pé <strong>de</strong> igualda<strong>de</strong>, na enumeração <strong>de</strong>ste artigo, a<br />

proprieda<strong>de</strong> privada (inciso II) e sua função social (inciso III). Compreen<strong>de</strong>r-se-ia que se falasse<br />

em “proprieda<strong>de</strong> privada com função social”. Contudo, por que tanto <strong>de</strong>stacar a respectiva função<br />

<strong>de</strong>sse mesmo órgão, a ponto <strong>de</strong> quase tornar antagônicas ambas as coisas?<br />

* * *<br />

O Substitutivo Cabral 2 vai mais longe. No seu art. 200, ele estabelece normas que<br />

promoverão a implantação <strong>de</strong> uma drástica e radical Reforma Urbana. No Capítulo IV serão<br />

analisados mais <strong>de</strong>tidamente os parágrafos <strong>de</strong>sse importante artigo. Cabe aqui comentar tão-somente<br />

o caput <strong>de</strong>le: “Art. 200 – O direito <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong>, que tem função social, é reconhecido e<br />

assegurado, salvo nos casos <strong>de</strong> <strong>de</strong>sapropriação pelo Po<strong>de</strong>r Público”.<br />

Tomado ao pé da letra, o caput <strong>de</strong>sse artigo afirma que, “nos casos <strong>de</strong> <strong>de</strong>sapropriação pelo<br />

Po<strong>de</strong>r Público” o direito <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong> não é “reconhecido”, nem é “assegurado”. Ou seja, cabe ao<br />

Po<strong>de</strong>r Público eliminar pura e simplesmente o direito <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong> “nos casos <strong>de</strong> <strong>de</strong>sapropriação”<br />

<strong>de</strong>finidos pelo mesmo Po<strong>de</strong>r Público.<br />

É <strong>de</strong> se notar que, abstração feita dos parágrafos que lhe seguem, a redação <strong>de</strong>sse caput não<br />

concerne apenas o direito <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong> que recaia especificamente sobre bens imóveis urbanos,<br />

mas o direito <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong> in genere, quaisquer que sejam os bens móveis ou imóveis sobre os<br />

quais incida.<br />

Em conseqüência, o patrimônio <strong>de</strong> todos os particulares po<strong>de</strong> ser fulminado por um <strong>de</strong>creto<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>sapropriação que extinga <strong>de</strong> imediato, não só o direito <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong>stes ou daqueles<br />

indivíduos sobre esses ou aqueles bens, mas o próprio instituto da proprieda<strong>de</strong> privada.<br />

É precisamente assim que o comunismo tem sido instaurado nos <strong>de</strong>sditosos países que, por<br />

efeito <strong>de</strong> revoluções ou guerras, caíram no regime marxista.<br />

Segundo essa concepção, o Estado é o dispensador <strong>de</strong> todos os direitos. E ipso facto lhe cabe<br />

extingui-los quando o entenda. É o totalitarismo econômico, cuja vigência torna risível imaginar<br />

compatível com qualquer espécie <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong>s políticas.<br />

Em outros termos, o Substitutivo Cabral 2, tão cioso da <strong>de</strong>mocracia política, cria uma<br />

situação sócio-econômica que a torna radicalmente impossível.<br />

A prevalecer esse artigo nas votações da Constituinte, a Abertura terá conduzido à<br />

implantação <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>mocracia suicida.<br />

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