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1987 - Projeto de Constituiçao angustia o país

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quanto se acaba <strong>de</strong> pon<strong>de</strong>rar e recomendar acerca <strong>de</strong> terras <strong>de</strong>volutas fica sujeito ao mero arbítrio do<br />

Po<strong>de</strong>r Executivo, em cujas mãos está o fazer ou reformar a seu talante os planos <strong>de</strong> Reforma Agrária.<br />

É impossível <strong>de</strong>ixar o comentário do art. 213, sem pon<strong>de</strong>rar ainda que este impe<strong>de</strong> o Governo<br />

<strong>de</strong> conce<strong>de</strong>r – ou mesmo ven<strong>de</strong>r – à iniciativa privada, áreas com mais <strong>de</strong> 500 hectares, sem licença<br />

prévia do Congresso Nacional. Isto significa pôr entraves muito consi<strong>de</strong>ráveis à expansão natural da<br />

fronteira agrícola <strong>de</strong>ntro do regime <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong> privada. Com efeito, 500 hectares constituem, em<br />

região <strong>de</strong> <strong>de</strong>sbravamento, uma área muito pequena. No <strong>Projeto</strong> Cabral esse limite era <strong>de</strong> 3.000<br />

hectares (art. 320).<br />

6 . Rumo às fazendas coletivas, como na Rússia<br />

O Substitutivo Cabral 2 aborda aqui a tão <strong>de</strong>licada questão do regime jurídico <strong>de</strong> posse da<br />

terra para os assentados, já tratada em anteriores projetos <strong>de</strong> Reforma Agrária.<br />

“Art. 214 – Os beneficiários da distribuição <strong>de</strong> imóveis rurais pela reforma agrária<br />

receberão títulos <strong>de</strong> domínio ou <strong>de</strong> concessão <strong>de</strong> uso, inegociáveis pelo prazo <strong>de</strong> <strong>de</strong>z anos.<br />

“Parágrafo único – O título <strong>de</strong> domínio será conferido ao homem e a mulher, esposa ou<br />

companheira”.<br />

Seja dito preliminarmente que não po<strong>de</strong> passar sem categórico protesto – feito embora <strong>de</strong><br />

passagem – a equiparação, consignada no parágrafo único, da esposa legítima à “companheira”.<br />

Da redação <strong>de</strong>ste artigo <strong>de</strong>corre que há duas formas possíveis, no que diz respeito ao regime<br />

jurídico <strong>de</strong> posse da terra, nos assentamentos <strong>de</strong> Reforma Agrária: a ) título <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong> ou <strong>de</strong><br />

domínio (na terminologia jurídica, as palavras se eqüivalem; b ) títulos <strong>de</strong> concessão <strong>de</strong> uso.<br />

O Substitutivo acrescenta que tais títulos são “inegociáveis pelo prazo <strong>de</strong> <strong>de</strong>z anos”, o que<br />

dá margem a uma <strong>de</strong>plorável confusão, já que os dois institutos gravados com a restrição <strong>de</strong><br />

inalienabilida<strong>de</strong> são <strong>de</strong> natureza diversas. Se é verda<strong>de</strong> que o título <strong>de</strong> domínio ou proprieda<strong>de</strong> po<strong>de</strong><br />

comportar a inegociabilida<strong>de</strong>, tal não acontece com a concessão <strong>de</strong> uso. Esta última permite o uso,<br />

mas retém em po<strong>de</strong>r do Estado o domínio do imóvel. Assim, o beneficiário que receber títulos <strong>de</strong><br />

concessão <strong>de</strong> uso po<strong>de</strong> lavrar a terra, mas jamais vendê-la, pois ninguém po<strong>de</strong> dispor <strong>de</strong> um bem do<br />

qual não é dono. Falando em títulos “inegociáveis”, o Substitutivo <strong>de</strong>monstra <strong>de</strong>sconhecimento da<br />

natureza do instituto da concessão <strong>de</strong> uso.<br />

Quanto à outorga <strong>de</strong> títulos <strong>de</strong> domínio inegociáveis pelo prazo <strong>de</strong> <strong>de</strong>z anos, o artigo 214<br />

introduz um óbice crucial no acesso ao crédito, uma vez que um imóvel gravado com inalienabilida<strong>de</strong><br />

não po<strong>de</strong> ser oferecido como garantia para constituição <strong>de</strong> hipoteca. Sem crédito, o assentado recebe<br />

o chão, porém não tem meios <strong>de</strong> tornar a terra produtiva.<br />

Mas, redargüirá alguém, o assentado po<strong>de</strong> recorrer ao crédito oficial, o qual po<strong>de</strong> dispensar<br />

a hipoteca. Nessa hipótese, os assentados ficarão necessariamente acorrentados à ca<strong>de</strong>ia <strong>de</strong><br />

organismos e à burocracia governamental e, através do sistema <strong>de</strong> crédito, sujeitos ao dirigismo<br />

estatal. Em outros termos, é o Estado que se constitui dono da terra que o beneficiário tão-só cultiva.<br />

Vale lembrar também o impacto altamente negativo que a restrição <strong>de</strong> inegociabilida<strong>de</strong><br />

certamente produzirá no beneficiário, o qual não terá estímulo para investir em imóvel cuja<br />

valorização não lhe serve <strong>de</strong> nada, uma vez que não po<strong>de</strong> ven<strong>de</strong>r em hora <strong>de</strong> apuro ou quando apareça<br />

uma boa oferta.<br />

Precisamente sobre o tema, esta Socieda<strong>de</strong> acaba <strong>de</strong> lançar a obra Reforma Agrária: “terra<br />

prometida”, favela rural ou “kolkhozes”? – Mistério que a TFP <strong>de</strong>svenda, <strong>de</strong> autoria do advogado<br />

Atílio Guilherme Faoro, na qual se <strong>de</strong>monstra que os assentamentos – segundo o atual PNRA –<br />

adotam muito preferencialmente, no que se refere ao regime jurídico <strong>de</strong> posse da terra, a concessão<br />

<strong>de</strong> uso <strong>de</strong>sta, a título precário e com pesados encargos.<br />

Este fator – que <strong>de</strong> si é <strong>de</strong>cepcionante para quem imagina que a Reforma Agrária dividirá<br />

todo o ager brasileiro entre milhões <strong>de</strong> proprietários – é agravado por duas circunstâncias:<br />

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