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1987 - Projeto de Constituiçao angustia o país

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Disto, porém não se <strong>de</strong>ve concluir que quanto maior for a <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>, mais perfeita será a<br />

justiça. Pois Deus criou as <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s, não aterradoras e monstruosas, mas proporcionadas à<br />

natureza e ao bem-estar <strong>de</strong> cada ser, e a<strong>de</strong>quadas à or<strong>de</strong>nação geral da criação.<br />

Também não se <strong>de</strong>ve concluir, do exposto, que a <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> seja sempre e necessariamente<br />

um bem.<br />

Todos os homens são iguais por natureza, e é apenas em seus aci<strong>de</strong>ntes que eles se<br />

diferenciam. Os direitos provenientes do simples fato <strong>de</strong> serem homens – tais como o direito à vida,<br />

à honra, a condições suficientes <strong>de</strong> existência digna, ao trabalho, ao acesso à proprieda<strong>de</strong> etc. – são<br />

os mesmos para todos. E <strong>de</strong>vem ser consi<strong>de</strong>radas contrárias à or<strong>de</strong>m natural estabelecida por Deus as<br />

<strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s que atentem contra tais direitos.<br />

Porém, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>sses limites, são justas e conformes à or<strong>de</strong>m natural as <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s<br />

advindas <strong>de</strong> fatores como virtu<strong>de</strong>, talento, força, capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> trabalho, beleza, família, educação,<br />

tradição etc., <strong>de</strong> sorte que haja classes sociais escalonadas segundo a elevação intrínseca da missão<br />

que cada uma exerce na socieda<strong>de</strong>, das honras a que tal missão faz jus, e da abundância <strong>de</strong> bens que<br />

lhes correspon<strong>de</strong> 92 . Mas isto tudo sob a condição <strong>de</strong> que a nenhum homem carente <strong>de</strong> condições<br />

pessoais para trabalhar faltem os recursos necessários para viver, para cuidar a<strong>de</strong>quadamente <strong>de</strong> sua<br />

saú<strong>de</strong> e fruir dos outros bens requeridos pela natureza humana. Bem como que a nenhum homem<br />

Tais <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s, Deus não as quis só entre os seres dos reinos inferiores – mineral, vegetal e animal – mas<br />

também entre os homens e, portanto, entre os povos e as nações.<br />

Com essas <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s, que Deus criou harmônicas entre si, e benfazejas para cada categoria <strong>de</strong> seres como<br />

para cada ser em particular, quis Deus prover o homem <strong>de</strong> abundantíssimos meios para ter sempre presente as infinitas<br />

perfeições dEle. As <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s entre os seres são ipso facto uma escola sublime e imensa <strong>de</strong> antiateísmo.<br />

É o que parece ter compreendido o lí<strong>de</strong>r comunista francês Roger Garaudy, quando realçou a importância da<br />

eliminação das <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s sociais para a vitória do ateísmo no mundo: “Não é possível, para um marxista, dizer que<br />

a eliminação das crenças religiosas é uma condição sine qua non para a edificação do comunismo. Karl Marx mostrava,<br />

pelo contrário, que só a realização completa do comunismo, ao tornar transparentes as relações sociais, tornaria<br />

possível o <strong>de</strong>saparecimento da concepção religiosa do mundo. Para um marxista, pois, é a edificação do comunismo que<br />

é condição sine qua non para eliminar as raízes sociais da religião, e não a eliminação das crenças religiosas a condição<br />

para a construção do comunismo” (R. Garaudy et alii, L’homme chrétien et l’homme marxiste, Semaines <strong>de</strong> la pensée<br />

marxiste – Confrontations et débats, La Palatine, Paris-Génève, 1964, p. 64).<br />

Querer <strong>de</strong>struir a or<strong>de</strong>m hierárquica do universo é, pois, privar o homem dos recursos para que ele possa<br />

livremente exercer o mais fundamental <strong>de</strong> seus direitos, que é o <strong>de</strong> conhecer, amar e servir a Deus. Ou seja, é <strong>de</strong>sejar a<br />

maior das injustiças e a mais cruel das tiranias.<br />

92<br />

No livro Sou católico: posso ser contra a Reforma Agrária? são reproduzidos, nas pp. 82 a 88 e 196 a 198,<br />

textos <strong>de</strong> Leão XIII (1878-1903), <strong>de</strong> São Pio X (1903-1914), <strong>de</strong> Bento XV (1914-1922), <strong>de</strong> Pio XI (1922-1939), <strong>de</strong> Pio<br />

XII (1939-1958), <strong>de</strong> João XXIII (1958-1963) e do atual Pontífice João Paulo II, evi<strong>de</strong>nciando que, segundo a doutrina da<br />

Igreja, a socieda<strong>de</strong> cristã <strong>de</strong>ve ser constituída por classes proporcionadamente <strong>de</strong>siguais que encontram o seu próprio bem<br />

e o bem comum, em uma mútua e harmoniosa colaboração. Dois textos darão ao leitor uma idéia geral do assunto.<br />

Leão XIII, na célebre Encíclica Rerum Novarum, <strong>de</strong> 15 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1891, escreve: “O erro capital na questão<br />

presente é crer que as duas classes são inimigas natas uma da outra, como se a natureza tivesse armado os ricos e os<br />

pobres para se combaterem mutuamente num duelo obstinado. Isto é uma aberração tal, que é necessário colocar a<br />

verda<strong>de</strong> numa doutrina contrariamente oposta, pois assim como no corpo humano os diversos membros se ajustam entre<br />

si e <strong>de</strong>terminam essas relações harmoniosas a que se chama a<strong>de</strong>quadamente simetria, da mesma forma a natureza exige<br />

que na socieda<strong>de</strong> as classes se integrem umas às outras e por sua colaboração mútua realizem um justo equilíbrio. Cada<br />

uma <strong>de</strong>las tem imperiosa necessida<strong>de</strong> da outra; o capital não existe sem o trabalho, nem o trabalho sem o capital. Sua<br />

harmonia produz a beleza e a or<strong>de</strong>m; ao contrário, dum conflito perpétuo só po<strong>de</strong>m resultar confusão e lutas selvagens”<br />

(Actes <strong>de</strong> Léon XIII, Bonne Presse, Paris, vol. III, p. 32).<br />

Por sua vez, Pio XII, na Radiomensagem <strong>de</strong> Natal <strong>de</strong> 1944, afirma: “Num povo digno <strong>de</strong> tal nome, todas as<br />

<strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s que <strong>de</strong>rivam, não do arbítrio, mas da própria natureza das coisas, <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> cultura, <strong>de</strong> haveres,<br />

<strong>de</strong> posição social – sem prejuízo, bem entendido, da justiça e da carida<strong>de</strong> mútua – não são absolutamente um obstáculo<br />

à existência e ao predomínio <strong>de</strong> um autêntico espírito <strong>de</strong> comunida<strong>de</strong> e fraternida<strong>de</strong>. Pois, pelo contrário, longe <strong>de</strong> lesar<br />

<strong>de</strong> qualquer modo a igualda<strong>de</strong> civil, lhe conferem o seu significado legítimo, isto é, cada um, em face do Estado, tem o<br />

direito <strong>de</strong> viver honradamente a própria vida pessoal, no lugar e nas condições que os <strong>de</strong>sígnios e disposições da<br />

Providência o colocaram” (Discorsi e Radiomessaggi di Sua Santità Pio XII, vol. VI, pp. 239-240).<br />

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