06.11.2023 Views

1987 - Projeto de Constituiçao angustia o país

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

B . A “guilhotina” da Reforma Agrária atingirá amanhã as proprieda<strong>de</strong>s hoje consi<strong>de</strong>radas<br />

pequenas ou médias<br />

“Art. 217 – São insuscetíveis <strong>de</strong> <strong>de</strong>sapropriação, para fins <strong>de</strong> reforma agrária, os pequenos<br />

e médios imóveis rurais, na forma que dispuser a lei, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que seus proprietários não possuam<br />

outro imóvel rural”.<br />

Do ponto <strong>de</strong> vista da estratégia agro-reformista, não falta agilida<strong>de</strong> ao presente artigo. Pois,<br />

lido com <strong>de</strong>sprevenção, tranqüilizará largamente a maior parte dos proprietários rurais, que são<br />

forçosamente pequenos e médios fazen<strong>de</strong>iros. Precisamente o setor <strong>de</strong>ssa classe com o qual<br />

simpatizam até pessoas <strong>de</strong> centro-esquerda.<br />

Assim, os gran<strong>de</strong>s proprietários ou os proprietários <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> um imóvel ficam expostos,<br />

só eles, à investida agro-reformista, que mais facilmente os vencerá. “Divi<strong>de</strong> et impera” (divi<strong>de</strong> para<br />

que possas reinar), é o princípio tático, enunciado por Maquiavel, que parece ter inspirado este artigo.<br />

Porém, caso se o leia com mais atenção, as conseqüências <strong>de</strong>le não são tão simples. Pois o<br />

art. 217 contém seis palavras que passam <strong>de</strong>spercebidas e que anulam a vantagem assim concedida<br />

aos pequenos e médios proprietários. São elas: “na forma que dispuser a lei”. A lei ordinária, bem<br />

entendido.<br />

Quer isto dizer que a legislação ordinária sobre Reforma Agrária, a ser necessariamente<br />

elaborada uma vez que entre em vigor a Constituição, <strong>de</strong>terminará <strong>de</strong> que forma, em que termos, em<br />

que condições serão discriminadas as pequenas ou médias proprieda<strong>de</strong>s a serem beneficiadas pela<br />

simpática e generosa isenção que o art. 217 outorga.<br />

Mais precisamente, como toda lei ordinária po<strong>de</strong> ser reformada a qualquer momento, a<br />

qualquer momento também po<strong>de</strong>rá variar o critério <strong>de</strong>ssa discriminação.<br />

Um exemplo concreto fará ver a instabilida<strong>de</strong> em que ficarão, em um eventual Brasil agroreformado,<br />

os pequenos e médios proprietários. Que características <strong>de</strong>ve apresentar uma proprieda<strong>de</strong><br />

para ser consi<strong>de</strong>rada autenticamente média ou pequena? Elas seriam difíceis <strong>de</strong> ser <strong>de</strong>terminadas no<br />

quadro da presente estrutura agrária. Mas variarão necessariamente na medida que o agro-reformismo<br />

igualitário vá alterando essa estrutura. Assim, quando forem partilhadas todas as terras atualmente<br />

qualificadas <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s, esta qualificação passará a se aplicar às maiores terras que existirem segundo<br />

os padrões novos. Ou seja, terras hoje qualificadas médias e portanto imunes à Reforma Agrária,<br />

passarão a ser automaticamente qualificadas <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s, e ipso facto sujeitas à expropriação reservada<br />

pelo art. 217 às gran<strong>de</strong>s proprieda<strong>de</strong>s. Analogamente, várias terras hoje consi<strong>de</strong>radas pequenas<br />

passarão a ser tidas como médias.<br />

E assim o curso das sucessivas aplicações da Reforma Agrária po<strong>de</strong>rá ir “guilhotinando”<br />

inexoravelmente terras cujos proprietários se imaginam isentos <strong>de</strong> tal para todo o sempre, em razão<br />

<strong>de</strong> lerem com candura o <strong>de</strong>stro artigo 217.<br />

Cumpre lembrar a esse propósito o ocorrido no Chile, quando da aplicação da Reforma<br />

Agrária pelo governo marxista <strong>de</strong> Salvador Allen<strong>de</strong> (1970-1973). Numa primeira fase, estavam<br />

sujeitas à expropriação apenas as proprieda<strong>de</strong>s superiores a 80 hectares. E, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início, a lei<br />

ordinária proibiu à iniciativa particular o parcelamento das terras nessas condições. Acionada a<br />

“guilhotina” agro-reformista, estava tudo pronto, numa segunda fase, pouco antes da queda <strong>de</strong><br />

Allen<strong>de</strong>, para reduzir aquela área máxima a 40 hectares. De maneira que, para efeito <strong>de</strong> aplicação da<br />

Reforma Agrária, a proprieda<strong>de</strong> média do dia anterior passava a ser consi<strong>de</strong>rada gran<strong>de</strong> e sujeita,<br />

portanto, a ser retalhada 59 .<br />

59<br />

Cfr. Carlos Patrício <strong>de</strong>l Campo, A proprieda<strong>de</strong> privada e a livre iniciativa, no tufão agro-reformista, Parte<br />

II, Editora Vera Cruz, São Paulo, 1985, pp. 141-142.<br />

160

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!