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1987 - Projeto de Constituiçao angustia o país

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A moral leiga procura basear-se em razões <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m estritamente natural. E os preceitos<br />

<strong>de</strong>sta, precisamente porque não têm por Autor Deus, mas os homens, não participa da imutabilida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> Deus, mas da mísera mutabilida<strong>de</strong> dos homens.<br />

Dessa forma, não basta dizer que essa mutabilida<strong>de</strong> se fará sentir por modificações operadas<br />

<strong>de</strong> geração em geração, mas em geral se fará sentir entre filósofo e filósofo, sociólogo e sociólogo,<br />

chefe <strong>de</strong> família e chefe <strong>de</strong> família, em uma mesma geração. É o que mostra a experiência corrente.<br />

Assim, a moral reinante se i<strong>de</strong>ntificará forçosamente à moral professada pelo Chefe <strong>de</strong><br />

Estado, ou, conforme o caso, pelo legislador ou pelo Juiz. Ela mudará <strong>de</strong> censor <strong>de</strong> espetáculos a<br />

censor <strong>de</strong> espetáculos, no mesmo País, Estado ou Município.<br />

A censura, que teria toda sua razão <strong>de</strong> ser a partir da imutável Moral da Igreja – e que per<strong>de</strong>ria<br />

muito <strong>de</strong> sua consistência e nobre rigi<strong>de</strong>z, se baseada na moral já sujeita a discussões internas,<br />

freqüentes em outras igrejas – per<strong>de</strong> quase toda sua utilida<strong>de</strong> no Estado leigo contemporâneo. Pois,<br />

no Brasil recém-laicizado da primeira fase republicana (1889-1930), a socieda<strong>de</strong>, também ela já muito<br />

impregnada <strong>de</strong> laicismo, ainda conservava, por via consuetudinária, a Moral católica bimilenar. Mas,<br />

em nossos dias, em que o relativismo moral tomou quase inteiramente conta da socieda<strong>de</strong>, a tradição<br />

cristã bimilenar está em vias <strong>de</strong> esvair-se.<br />

Quando a primeira Constituição republicana (1891) falava em or<strong>de</strong>m pública e bons<br />

costumes, todo mundo entendia por “bons costumes” os que correspondiam ao cumprimento dos<br />

preceitos da Moral cristã. Embora laica, a expressão tinha consistência, como há pouco se disse.<br />

Hoje...<br />

6 . A imprecisão <strong>de</strong> conceitos do Substitutivo<br />

À vaguida<strong>de</strong> apontada no tópico anterior se <strong>de</strong>ve acrescentar a in<strong>de</strong>finição <strong>de</strong> conceitos que,<br />

por vezes, se nota daqui e dali entre as disposições do Substitutivo Cabral 2.<br />

Sirvam <strong>de</strong> amostra os exemplos que seguem:<br />

O § 39 do art. 5 º estabelece que “todos po<strong>de</strong>m reunir-se pacificamente, sem armas, em locais<br />

abertos ao público, sem necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> autorização, somente cabendo pré-aviso à autorida<strong>de</strong><br />

quando a reunião possa prejudicar o fluxo normal <strong>de</strong> pessoas ou veículos”.<br />

Este parágrafo dispensa “autorização” e “prévio aviso à autorida<strong>de</strong>”, quanto às reuniões<br />

“em locais abertos ao público”, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que não prejudiquem o “fluxo normal <strong>de</strong> pessoas ou<br />

veículos”. Mas o dispositivo não <strong>de</strong>fine o que é “reunir-se”.<br />

Assim, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ria <strong>de</strong> autorização prévia a reunião <strong>de</strong> diretores <strong>de</strong> uma empresa ou <strong>de</strong> um<br />

partido político, por ser realizada costumeiramente em salas <strong>de</strong> reunião inacessíveis ao público? Ou<br />

uma reunião <strong>de</strong> acionistas ou uma prévia <strong>de</strong> um partido político, a ser realizada explicavelmente em<br />

local também inacessível ao público?<br />

Ou o Substitutivo quereria ter dito aqui, como casa melhor com o sentido da frase, “em locais<br />

públicos”, em vez <strong>de</strong> “abertos ao público”?<br />

O § 40 do mesmo artigo estatui: “É plena a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> associação, exceto a <strong>de</strong> caráter<br />

paramilitar, não sendo exigida autorização estatal para a sua fundação, vedada a interferência do<br />

Estado em seu funcionamento”.<br />

Que se enten<strong>de</strong> por uma associação “<strong>de</strong> caráter paramilitar?” Por exemplo, as que praticam<br />

artes marciais, embora sem armamentos, se incluem por isso na condição <strong>de</strong> paramilitares? Seria<br />

paramilitar um clube <strong>de</strong> atiradores?<br />

Parece supérfluo, a<strong>de</strong>mais, reafirmar o óbvio, pois se “é plena a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> associação”,<br />

é evi<strong>de</strong>nte que “não será exigida autorização estatal” para a fundação <strong>de</strong> associações...<br />

* * *<br />

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