1987 - Projeto de Constituiçao angustia o país
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
Capítulo VI – As divagações sócio-sentimentais que estão na raiz<br />
<strong>de</strong> uma mal-compreendida função social da proprieda<strong>de</strong><br />
“Liberda<strong>de</strong>, liberda<strong>de</strong>, quantos crimes se cometem em teu nome”: a famosa exclamação<br />
<strong>de</strong>cepcionada <strong>de</strong> Madame Roland 69 , ao ser conduzida à guilhotina, po<strong>de</strong>ria ser citada – com as<br />
<strong>de</strong>vidas ressalvas – a propósito da função social da proprieda<strong>de</strong>.<br />
É essa noção que, como se viu (cfr. Parte IV, Caps. II a V) serve <strong>de</strong> base para a tríplice<br />
Reforma – Agrária, Urbana e Empresarial – que o Substitutivo Cabral 2 preten<strong>de</strong> impor ao País.<br />
É justo que a ela seja consagrado um capítulo especial neste estudo, que tem por meta<br />
fornecer aos srs. Constituintes, e à opinião pública em geral, os subsídios necessários para uma<br />
avaliação a<strong>de</strong>quada do texto constitucional em elaboração.<br />
Mas é bem <strong>de</strong> ver a importância da matéria transcen<strong>de</strong> <strong>de</strong> muito o interesse que apresenta<br />
para a quadra histórica que o Brasil atravessa.<br />
1 . Função social, “slogan” muito difundido e conceito pouco <strong>de</strong>finido...<br />
Como é freqüente hoje em dia, nos chamados “órgãos <strong>de</strong> comunicação social” (imprensa,<br />
rádio e TV), a expressão função social. Entretanto, quão pouco explicativas são habitualmente as<br />
referências a tal expressão!<br />
Se alguma empresa <strong>de</strong> pesquisa <strong>de</strong> opinião pública investigasse qual a porcentagem dos<br />
brasileiros (ou dos naturais <strong>de</strong> qualquer outro país) aptos a dar <strong>de</strong> imediato um conceito <strong>de</strong>finido do<br />
que seja função social, é altamente provável que os resultados a que tal pesquisa chegasse fossem<br />
<strong>de</strong>cepcionantes para os usuários <strong>de</strong>ssa expressão-talismã 70 .<br />
Na melhor das hipóteses, uma minoria não extremamente pequena <strong>de</strong> pessoas respon<strong>de</strong>ria<br />
corretamente às seguintes perguntas:<br />
1 ª ) Se a presente voga da expressão função social data <strong>de</strong> Leão XIII, ou <strong>de</strong> algum <strong>de</strong> seus<br />
sucessores;<br />
2 ª ) se ela concerne a todos os direitos do homem, ou apenas ao direito <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong>;<br />
3 ª ) Se a função social se <strong>de</strong>stina essencialmente a servir a causa da distribuição igualitária<br />
dos bens, mediante a transferência, para os que possuem menos, da maior parte possível das posses<br />
dos que têm mais;<br />
4 ª ) Se a função social atingiria, consequentemente, a plena perfeição <strong>de</strong> seu próprio exercício<br />
no dia em que todos fossem iguais.<br />
sofrer<br />
2 . Um pressuposto mais sentimental que doutrinário: a <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> faz<br />
A resposta vaga e titubeante que a maior parte das pessoas daria a essas perguntas se<br />
inspiraria em algo que melhor se qualifica como um sentimento <strong>de</strong> compaixão instintiva e<br />
notavelmente genérica, do que propriamente como uma doutrina.<br />
Tal sentimento tem como pressuposto que toda dor po<strong>de</strong> e <strong>de</strong>ve ser extirpada da vida do<br />
homem.<br />
Dessa ilusão utópica se origina em muitos espíritos uma divagação sobre os diversos<br />
sofrimentos experimentados pelo ser humano a propósito da proprieda<strong>de</strong> privada e das <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s<br />
sócio-econômicas <strong>de</strong>correntes <strong>de</strong>sta.<br />
69<br />
Madame Roland <strong>de</strong> la Platière (1754-1793) mantinha um “salão” (local <strong>de</strong> reunião) freqüentado sobretudo<br />
pelos revolucionários mo<strong>de</strong>rados (girondinos), e exerceu gran<strong>de</strong> influência política na preparação e no <strong>de</strong>curso da<br />
Revolução Francesa. Ela acabou por ser vítima <strong>de</strong>sta – com muitos correligionários – no período do Terror.<br />
70<br />
Cfr. Plinio Corrêa <strong>de</strong> Oliveira, Bal<strong>de</strong>ação i<strong>de</strong>ológica inadvertida e diálogo, Editora Vera Cruz, São Paulo,<br />
1965, pp. 55-59.<br />
170