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1987 - Projeto de Constituiçao angustia o país

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Capítulo VI – As divagações sócio-sentimentais que estão na raiz<br />

<strong>de</strong> uma mal-compreendida função social da proprieda<strong>de</strong><br />

“Liberda<strong>de</strong>, liberda<strong>de</strong>, quantos crimes se cometem em teu nome”: a famosa exclamação<br />

<strong>de</strong>cepcionada <strong>de</strong> Madame Roland 69 , ao ser conduzida à guilhotina, po<strong>de</strong>ria ser citada – com as<br />

<strong>de</strong>vidas ressalvas – a propósito da função social da proprieda<strong>de</strong>.<br />

É essa noção que, como se viu (cfr. Parte IV, Caps. II a V) serve <strong>de</strong> base para a tríplice<br />

Reforma – Agrária, Urbana e Empresarial – que o Substitutivo Cabral 2 preten<strong>de</strong> impor ao País.<br />

É justo que a ela seja consagrado um capítulo especial neste estudo, que tem por meta<br />

fornecer aos srs. Constituintes, e à opinião pública em geral, os subsídios necessários para uma<br />

avaliação a<strong>de</strong>quada do texto constitucional em elaboração.<br />

Mas é bem <strong>de</strong> ver a importância da matéria transcen<strong>de</strong> <strong>de</strong> muito o interesse que apresenta<br />

para a quadra histórica que o Brasil atravessa.<br />

1 . Função social, “slogan” muito difundido e conceito pouco <strong>de</strong>finido...<br />

Como é freqüente hoje em dia, nos chamados “órgãos <strong>de</strong> comunicação social” (imprensa,<br />

rádio e TV), a expressão função social. Entretanto, quão pouco explicativas são habitualmente as<br />

referências a tal expressão!<br />

Se alguma empresa <strong>de</strong> pesquisa <strong>de</strong> opinião pública investigasse qual a porcentagem dos<br />

brasileiros (ou dos naturais <strong>de</strong> qualquer outro país) aptos a dar <strong>de</strong> imediato um conceito <strong>de</strong>finido do<br />

que seja função social, é altamente provável que os resultados a que tal pesquisa chegasse fossem<br />

<strong>de</strong>cepcionantes para os usuários <strong>de</strong>ssa expressão-talismã 70 .<br />

Na melhor das hipóteses, uma minoria não extremamente pequena <strong>de</strong> pessoas respon<strong>de</strong>ria<br />

corretamente às seguintes perguntas:<br />

1 ª ) Se a presente voga da expressão função social data <strong>de</strong> Leão XIII, ou <strong>de</strong> algum <strong>de</strong> seus<br />

sucessores;<br />

2 ª ) se ela concerne a todos os direitos do homem, ou apenas ao direito <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong>;<br />

3 ª ) Se a função social se <strong>de</strong>stina essencialmente a servir a causa da distribuição igualitária<br />

dos bens, mediante a transferência, para os que possuem menos, da maior parte possível das posses<br />

dos que têm mais;<br />

4 ª ) Se a função social atingiria, consequentemente, a plena perfeição <strong>de</strong> seu próprio exercício<br />

no dia em que todos fossem iguais.<br />

sofrer<br />

2 . Um pressuposto mais sentimental que doutrinário: a <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> faz<br />

A resposta vaga e titubeante que a maior parte das pessoas daria a essas perguntas se<br />

inspiraria em algo que melhor se qualifica como um sentimento <strong>de</strong> compaixão instintiva e<br />

notavelmente genérica, do que propriamente como uma doutrina.<br />

Tal sentimento tem como pressuposto que toda dor po<strong>de</strong> e <strong>de</strong>ve ser extirpada da vida do<br />

homem.<br />

Dessa ilusão utópica se origina em muitos espíritos uma divagação sobre os diversos<br />

sofrimentos experimentados pelo ser humano a propósito da proprieda<strong>de</strong> privada e das <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s<br />

sócio-econômicas <strong>de</strong>correntes <strong>de</strong>sta.<br />

69<br />

Madame Roland <strong>de</strong> la Platière (1754-1793) mantinha um “salão” (local <strong>de</strong> reunião) freqüentado sobretudo<br />

pelos revolucionários mo<strong>de</strong>rados (girondinos), e exerceu gran<strong>de</strong> influência política na preparação e no <strong>de</strong>curso da<br />

Revolução Francesa. Ela acabou por ser vítima <strong>de</strong>sta – com muitos correligionários – no período do Terror.<br />

70<br />

Cfr. Plinio Corrêa <strong>de</strong> Oliveira, Bal<strong>de</strong>ação i<strong>de</strong>ológica inadvertida e diálogo, Editora Vera Cruz, São Paulo,<br />

1965, pp. 55-59.<br />

170

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