1987 - Projeto de Constituiçao angustia o país
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
Se por “violência” se enten<strong>de</strong>sse unicamente a prática <strong>de</strong> crime contra a integrida<strong>de</strong> física<br />
do próximo, a proibição se justificaria. No entanto, na atual atmosfera <strong>de</strong> obsedante temor <strong>de</strong> uma<br />
guerra atômica, existe a tendência a incluir na <strong>de</strong>signação tudo quanto <strong>de</strong>sperte no leitor, no ouvinte<br />
ou no espectador, admiração por qualquer guerra (e, por extensão, também por qualquer insurreição<br />
a mão armada) em qualquer <strong>de</strong> seus aspectos, por conter em seu bojo – se bem que <strong>de</strong> modo implícito<br />
ou indireto – um fator <strong>de</strong> con<strong>de</strong>scendência, <strong>de</strong> simpatia ou até <strong>de</strong> admiração pela guerra.<br />
Ou seja, <strong>de</strong> implícito “incitamento à violência”.<br />
Sob este prisma, po<strong>de</strong>-se chegar a impedir ao espírito humano que conheça todo um aspecto<br />
da realida<strong>de</strong> global <strong>de</strong>sta vida, celebrado por obras <strong>de</strong> valor imortal, como a Ilíada, a Eneida, a<br />
Chanson <strong>de</strong> Roland e tantas páginas célebres da literatura portuguesa e brasileira. E, em rigor <strong>de</strong><br />
lógica, não se fica só nisto. E também quantas obras <strong>de</strong> pintura, escultura e arquitetura há,<br />
imortalizando pelo mundo afora a gran<strong>de</strong>za do talento e do heroísmo militar. Basta recordar aqui,<br />
entre tantas outras, o Arco <strong>de</strong> Constantino em Roma, o Arco do Triunfo em Paris, o Mosteiro da<br />
Batalha, nos campos <strong>de</strong> Aljubarrota, em Portugal, a coluna do Almirante Nelson no Trafalgar Square,<br />
em Londres, ou a Porta <strong>de</strong> Bran<strong>de</strong>nburgo, em Berlim (hoje infelizmente na parte oriental daquela<br />
cida<strong>de</strong>). Incitarão tais obras à violência?<br />
Como se vê, as últimas conseqüências do liberalismo – no qual se extrema o dispositivo do<br />
Substitutivo aqui analisado – <strong>de</strong>sfecham no <strong>de</strong>spotismo.<br />
* * *<br />
Conseqüências ainda mais graves se po<strong>de</strong>m <strong>de</strong>duzir do referido art. 5 º , § 5 º , quando este<br />
proíbe a manifestação do pensamento “que <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r discriminação <strong>de</strong> qualquer natureza”.<br />
Nessas palavras ressalta todo o inconveniente que <strong>de</strong>corre do fato <strong>de</strong> não ser <strong>de</strong>finido no<br />
Substitutivo o significado <strong>de</strong> “discriminação”. Com isso, até a liberda<strong>de</strong> da Igreja Católica corre o<br />
risco <strong>de</strong> ser <strong>de</strong>s<strong>de</strong> logo atingida.<br />
Com efeito, segundo ensinou São Pio X, a Igreja é uma socieda<strong>de</strong> essencialmente<br />
hierárquica, na qual se distinguem (ou seja, se discriminam) duas classes, uma à qual incumbe<br />
governar, ensinar e santificar, e outra à qual incumbe ser governada, ensinada e santificada. De on<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>correm, para cada uma, direitos e <strong>de</strong>veres específicos. Esta é a distinção clássica entre a Igreja<br />
hierárquica e docente, e a Igreja discente 97 . Ora, da primeira não po<strong>de</strong>m fazer parte as mulheres. Não<br />
constitui isso uma “discriminação”?<br />
Como se sabe, na Santa Igreja as mulheres não po<strong>de</strong>m, por instituição divina, pertencer à<br />
Hierarquia, nem à <strong>de</strong> Or<strong>de</strong>m, nem à <strong>de</strong> Jurisdição. É o caso <strong>de</strong> perguntar o que diria o Apóstolo São<br />
Paulo, se se aventasse a idéia <strong>de</strong> uma incorporação das mulheres na Hierarquia, ele que escreveu a<br />
Timóteo: “A mulher aprenda em silêncio com toda a sujeição. Não permito à mulher que ensine, nem<br />
que tenha domínio sobre o homem; mas esteja em silêncio” (I Tim. 2, 11 a 15). E que acrescentou,<br />
escrevendo aos Coríntios: “As mulheres estejam caladas nas igrejas, por que não lhes é permitido<br />
falar, mas <strong>de</strong>vem estar sujeitas, como também or<strong>de</strong>na a lei ... Porque é vergonhoso para uma mulher<br />
o falar na Igreja” (I Cor. 14, 34-35). Para o Substitutivo Cabral 2, não configurará tudo isso uma<br />
linha discriminatória insuportável?<br />
97<br />
Na Encíclica Vehementer, <strong>de</strong> 11 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1906, São Pio X afirma:<br />
“A Escritura nos ensina, e a tradição dos Padres nô-lo confirma, que a Igreja é o Corpo Místico <strong>de</strong> Cristo,<br />
corpo dirigido por Pastores e Doutores – socieda<strong>de</strong>, portanto, <strong>de</strong> homens, na qual alguns presi<strong>de</strong>m aos outros com pleno<br />
e perfeito po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> governar, ensinar e julgar.<br />
“É, pois, esta socieda<strong>de</strong> por sua natureza, <strong>de</strong>sigual; isto é, compreen<strong>de</strong> uma dupla or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> pessoas: os<br />
pastores e a grei, ou seja, aqueles que estão colocados nos vários graus da Hierarquia e a multidão dos fiéis. E estas<br />
duas or<strong>de</strong>ns são <strong>de</strong> tal maneira distintas que só na Hierarquia resi<strong>de</strong> o direito e a autorida<strong>de</strong> <strong>de</strong> orientar e dirigir os<br />
associados ao fim da socieda<strong>de</strong>, ao passo que o <strong>de</strong>ver da multidão é <strong>de</strong>ixar-se governar e seguir com obediência a direção<br />
dos que regem” (Actes <strong>de</strong> Pie X, Bonne Presse, Paris, vol. II, pp. 132 e 134).<br />
202