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1987 - Projeto de Constituiçao angustia o país

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Disto <strong>de</strong>corre, ainda, que o contrato do salariado – o qual, conforme a livre iniciativa <strong>de</strong> cada<br />

parte, empregador e empregado po<strong>de</strong>m válida e licitamente estabelecer – se afigura incongruente com<br />

a verda<strong>de</strong>ira natureza do trabalho, aos socialistas como aos comunistas 65 .<br />

O fato <strong>de</strong> ser justo em tese o regime <strong>de</strong> salariado não significa, naturalmente, que não possa<br />

haver e que não tenha havido – por vezes até com con<strong>de</strong>nável freqüência – injustiças concretas em<br />

sua aplicação.<br />

Mas cabe aos moralistas como aos legisladores impedir tais injustiças. É o que fez, no tocante<br />

ao Supremo Magistério Eclesiástico, o Papa Pio XI, ao <strong>de</strong>finir as condições necessárias para que o<br />

regime do salariado não lese a justiça.<br />

Uma vez que todo trabalhador tem direito à vida, o salário <strong>de</strong>ve em todos os casos<br />

correspon<strong>de</strong>r ao valor mínimo necessário para tal. De outro lado, sendo o salário a contrapartida do<br />

trabalho, quanto mais valha este do ponto <strong>de</strong> vista qualitativo ou quantitativo, proporcionadamente<br />

maior <strong>de</strong>ve ser o salário. É condição essencial para que ele possa ser qualificado <strong>de</strong> salário justo.<br />

Dado caber ao assalariado o direito a constituir família, e consequentemente a criar e educar seus<br />

filhos, para as <strong>de</strong>spesas daí <strong>de</strong>correntes <strong>de</strong>ve bastar o salário. Assim, este <strong>de</strong>ve ser um salário familiar.<br />

Como é óbvio, a vida <strong>de</strong> família normal exige que a esposa possa viver no lar, entregue a<br />

cuidar <strong>de</strong> seus filhos e a realizar as tarefas domésticas. Como também é indispensável que os filhos<br />

<strong>de</strong>vam ficar no lar até o momento em que atinjam a ida<strong>de</strong> própria para o trabalho. E tudo isto <strong>de</strong>ve<br />

ser proporcionado pelo salário familiar, não apenas em medida estritíssima, porém na medida exigida<br />

pela própria dignida<strong>de</strong> do lar e das pessoas que o integram (cfr. Pio XI, Encíclica Quadragesimo<br />

Anno, Coleção Documentos Pontifícios, Vozes, Petrópolis, 1959, 5 ª ed. Vol. 3, pp. 28-30).<br />

Assim sendo, a doutrina católica afirma a liceida<strong>de</strong> do regime do salariado e nega que<br />

constitua obrigação <strong>de</strong> justiça a participação compulsória dos empregados nos lucros e na proprieda<strong>de</strong><br />

da empresa, como tampouco em sua gestão 66 .<br />

De fato, a participação dos trabalhadores nos lucros, na proprieda<strong>de</strong> e na gestão da empresa,<br />

oferecerá vantagens em alguns casos, e também inconvenientes em outros. A lei não po<strong>de</strong>, pois, impor<br />

qualquer <strong>de</strong>stas formas <strong>de</strong> participação.<br />

65<br />

Pelo contrário, segundo a doutrina católica, o regime do salariado é justo em si, <strong>de</strong> acordo com o ensinamento<br />

do Papa Pio XI na célebre encíclica Quadragesimo Anno, <strong>de</strong> 15 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1931: “Os que dizem ser <strong>de</strong> sua natureza<br />

injusto o contrato <strong>de</strong> trabalho e preten<strong>de</strong>m substituí-lo por um contrato <strong>de</strong> socieda<strong>de</strong>, dizem um absurdo e caluniam<br />

malignamente o Nosso Pre<strong>de</strong>cessor (Leão XIII) que na Encíclica Rerum Novarum não só admite a legitimida<strong>de</strong> do<br />

salário, mas procura regulá-lo segundo as leis da justiça. ... Erram certamente os que não receiam enunciar este<br />

princípio, que tanto vale o trabalho e tanto <strong>de</strong>ve ser a paga, quanto é o valor do que se produz; e que por isso na locação<br />

do próprio trabalho tem o operário direito <strong>de</strong> exigir para si tudo o que produzir”(Coleção Documentos Pontifícios,<br />

Vozes, Petrópolis, 1959, 5 ª ed., vol. 3, p. 27).<br />

66<br />

É o que Pio XII ensinou: “Não se estaria tampouco na verda<strong>de</strong> querendo afirmar que toda empresa<br />

particular é por natureza uma socieda<strong>de</strong>, na qual as relações entre os participantes sejam <strong>de</strong>terminados pelas regras da<br />

justiça distributiva, <strong>de</strong> sorte que todos indistintamente – proprietários ou não dos meios <strong>de</strong> produção – teriam direito à<br />

sua parte na proprieda<strong>de</strong> ou pelo menos nos lucros da empresa. Tal concepção parte da hipótese <strong>de</strong> que toda empresa<br />

entra por natureza na esfera do direito público. Hipótese inexata: quer seja a empresa constituída sob forma <strong>de</strong> fundação<br />

ou <strong>de</strong> associação <strong>de</strong> todos os operários como coproprietários, quer seja proprieda<strong>de</strong> privada <strong>de</strong> um indivíduo que firma<br />

com todos os seus operários um contrato <strong>de</strong> trabalho, num caso como no outro, ela <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> da or<strong>de</strong>m jurídica privada<br />

da vida econômica” (Discurso <strong>de</strong> 7 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1949 à IX Conferência da União Internacional das Associações Patronais<br />

Católicas – Discorsi e Radiomessaggi, vol. XI, p. 63).<br />

Em outra ocasião, <strong>de</strong>clarou o mesmo Pontífice: “Por isso a doutrina social católica se pronuncia, entre outras<br />

questões, tão conscientemente pelo direito <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong> individual. Aqui estão também os motivos profundos por que<br />

os Papas das Encíclicas sociais, e Nós mesmo, Nos recusamos a <strong>de</strong>duzir, quer direta, quer indiretamente, da natureza<br />

do contrato <strong>de</strong> trabalho o direito <strong>de</strong> co-proprieda<strong>de</strong> do operário no capital da empresa e, consequentemente, seu direito<br />

<strong>de</strong> co-gestão. Importava em negar tal direito, pois por trás <strong>de</strong>le se enuncia um problema maior. O direito do indivíduo e<br />

da família à proprieda<strong>de</strong> é uma conseqüência imediata da essência da pessoa, um direito da dignida<strong>de</strong> pessoal, um<br />

direito vinculado, é verda<strong>de</strong>, por <strong>de</strong>veres sociais; não é porém meramente uma função social” (Radiomensagem ao<br />

Katholikentag <strong>de</strong> Viena, <strong>de</strong> 14 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 1952 – Discorsi e Radiomessaggi, vol. XIV, p. 314).<br />

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