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1987 - Projeto de Constituiçao angustia o país

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A tal propósito, cumpre notar que o tônus <strong>de</strong>ssa divagação vai mudando. De dulçuroso e<br />

<strong>de</strong>clamatório mas pacífico, como “correspon<strong>de</strong>” à carida<strong>de</strong>, ele se foi tornando reivindicatório, ácido<br />

e até agressivo, como “correspon<strong>de</strong>” à justiça. E a melopéia algum tanto lamurienta do<br />

sentimentalismo <strong>de</strong> outrora vem sendo substituída gradualmente por um grito <strong>de</strong> guerra. O grito <strong>de</strong><br />

guerra da luta <strong>de</strong> classes.<br />

5 . Na difusão <strong>de</strong>ssa melopéia, socialismo utópico e socialismo científico<br />

<strong>de</strong>sempenham papéis diferentes<br />

Que juízo fazer do conteúdo doutrinário, ao mesmo tempo tão pobre e tão envolvente, da<br />

velha melopéia sócio-sentimental característica dos utopistas do século passado?<br />

A vaporosa temática <strong>de</strong>ssa melopéia tem algo da força <strong>de</strong> expansão in<strong>de</strong>finida dos gases.<br />

Isto é, a explanação cabal do conteúdo <strong>de</strong>la, sobretudo se acompanhada da respectiva refutação,<br />

po<strong>de</strong>ria encher volumes.<br />

Análoga afirmação se po<strong>de</strong>ria fazer do conteúdo doutrinário do brado <strong>de</strong> guerra marxista. É<br />

ele mais <strong>de</strong>nso <strong>de</strong> pensamento do que o socialismo utópico que o antece<strong>de</strong>u. Mas nem por isso a<br />

respectiva refutação seria mais sintética e breve.<br />

Cumpre aliás acrescentar que o pensamento marxista exerce, na propulsão gradual <strong>de</strong> quase<br />

todo o Oci<strong>de</strong>nte rumo ao comunismo, um papel consi<strong>de</strong>ravelmente menor do que o do socialismo<br />

utópico. O marxismo move para a luta <strong>de</strong> classes a maior parte dos efetivos dos partidos socialistas e<br />

comunistas. Porém estes constituem em geral contingentes minoritários nas nações em que se<br />

radicam. E se as respectivas reivindicações encontram largo eco fora <strong>de</strong>sses partidos, é porque o<br />

utopismo sócio-sentimental do século passado, ainda vivo em pessoas carentes <strong>de</strong> formação científica<br />

– <strong>de</strong> condição econômica alta, média ou baixa – faz com que estas imaginem que o marxismo não é<br />

senão uma justificação científica eficaz do estado <strong>de</strong> espírito com que elas vêem as <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s<br />

sociais.<br />

Na impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> explanar aqui tão ampla matéria, algumas pon<strong>de</strong>rações sucintas<br />

ajudarão a elucidar sobre ela o leitor brasileiro médio.<br />

6 . Os problemas efetivamente criados pela Revolução Industrial foram pouco<br />

a pouco se atenuando<br />

Na crítica da melopéia do socialismo utópico, e do grito <strong>de</strong> guerra do socialismo<br />

habitualmente cognominado científico, há sem dúvida uma queixa comum que correspon<strong>de</strong> à<br />

realida<strong>de</strong> das coisas.<br />

O <strong>de</strong>senvolvimento do processo <strong>de</strong> industrialização, ao longo dos séculos XIX e XX, gerou<br />

em larga medida o <strong>de</strong>semprego e o pauperismo. E, em conseqüência, privou massas humanas inteiras<br />

das condições <strong>de</strong> existência suficientes e dignas que correspon<strong>de</strong>m à natureza do homem.<br />

Pari passu, a mesma industrialização foi ocasionando uma imensa concentração <strong>de</strong> capitais<br />

em favor <strong>de</strong> alguns beneficiários mais aptos, por instinto ou por formação técnica, a manusear as artes<br />

complicadas com que se ganha dinheiro.<br />

Daí <strong>de</strong>correu um <strong>de</strong>snível estri<strong>de</strong>nte entre as camadas situadas nos dois pólos da socieda<strong>de</strong><br />

capitalista. E – manda a verda<strong>de</strong> histórica que se diga – sobretudo os capitalistas da fase primeva do<br />

processo <strong>de</strong> industrialização conexo com o surto da re<strong>de</strong> bancária e comercial, se mostraram, ora<br />

indiferentes, ora censuravelmente lentos em socorrer as vítimas <strong>de</strong> um curso <strong>de</strong> coisas do qual eram<br />

contudo eles os gran<strong>de</strong>s beneficiários.<br />

Entretanto, manda também a verda<strong>de</strong> histórica que se reconheça haver-se verificado<br />

paulatinamente, a partir <strong>de</strong> fins do século XIX, em muitos e amplos setores capitalistas, uma favorável<br />

transformação <strong>de</strong> mentalida<strong>de</strong>s.<br />

Depois do agitado corre-corre e dos lucros inebriantes da fase inicial do capitalismo, foi este<br />

adquirindo crescente estabilida<strong>de</strong>. O que proporcionou a muitos capitalistas o lazer necessário para<br />

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