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1987 - Projeto de Constituiçao angustia o país

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4 . O igualitarismo utópico do Substitutivo Cabral<br />

Todo o Substitutivo Cabral 2 parece nitidamente inspirado no pressuposto utópico <strong>de</strong> que é<br />

<strong>de</strong>sejável e possível estabelecer uma socieda<strong>de</strong> perfeitamente igualitária. E na falsa idéia <strong>de</strong> que a<br />

humanida<strong>de</strong> será tanto mais livre e feliz quanto mais se for aproximando <strong>de</strong>sse i<strong>de</strong>al. De on<strong>de</strong> ser um<br />

<strong>de</strong>ver para o Estado encaminhar todo o corpo social nessa direção. É o que faz o Substitutivo registrar,<br />

no art. 3 º , entre os “objetivos fundamentais do Estado”, “erradicar a pobreza e reduzir as<br />

<strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s sociais e regionais” 89 . Ao que parece, é a esse “objetivo fundamental” que aludia o<br />

anterior <strong>Projeto</strong> Cabral, quando falava numa “ação equalizadora do Estado” (art. 5 º , IV).<br />

Ora, a igualda<strong>de</strong> completa, além <strong>de</strong> ser irrealizável, nem seria <strong>de</strong>sejável, porque, ao contrário<br />

do que imaginam os igualitários, ela constituiria grave injustiça.<br />

Injustiça, num plano mais imediato, contra os homens, pois é certo que tal igualda<strong>de</strong><br />

contraria a natureza livre do homem, o qual ten<strong>de</strong> a expandir suas potencialida<strong>de</strong>s e, pois, a<br />

diferenciar-se <strong>de</strong> seus semelhantes. Mesmo num regime <strong>de</strong> férrea ditadura, seria impossível a<br />

igualda<strong>de</strong> completa. Nos países comunistas, que há décadas preten<strong>de</strong>ram estabelecer a igualda<strong>de</strong><br />

social, o que existe é uma abismática e cruel diferenciação <strong>de</strong> classes, em que muito poucos <strong>de</strong>sfrutam<br />

privilégios e todo o restante da população vive na miséria mais negra.<br />

Mas, sobretudo, seria uma injustiça contra Deus. Num universo em que Deus criou todos os<br />

seres <strong>de</strong>siguais – inclusive e principalmente os homens – seria um ato <strong>de</strong> revolta querer impor a<br />

igualda<strong>de</strong> a uma or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> coisas que seu Autor, por altíssimas razões, fez <strong>de</strong>sigual 90 .<br />

Por isso, a questão do igualitarismo se situa no centro mais central – se se pu<strong>de</strong>sse assim<br />

dizer – da luta entre o marxismo, fundamentalmente ateu, e a Religião Católica, que ensina a<br />

existência <strong>de</strong> um só Deus em três Pessoas realmente distintas, transcen<strong>de</strong>nte, eterno e perfeito. Desta<br />

oposição filosófica e religiosa <strong>de</strong>corre uma oposição sócio-político-econômica 91 .<br />

89<br />

A mesma idéia reaparece no art. 191 do Substitutivo Cabral 2 : “A or<strong>de</strong>m econômica, fundada na valorização<br />

do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça<br />

social e os seguintes princípios: ... VII – redução das <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s regionais e sociais”.<br />

90<br />

Cfr. Mt. 25, 14 a 30; I Cor. 12, 28 a 31; São Tomás <strong>de</strong> Aquino, Suma contra os gentios, Livro II, Cap. 45.<br />

91<br />

Ensina São Tomás que a <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> das criaturas é uma condição para que a Criação dê glória a Deus,<br />

refletindo-Lhe a<strong>de</strong>quadamente as perfeições. Afirma o Doutor Angélico na Suma Teológica: “Nos seres naturais vemos<br />

que as espécies são gradativamente or<strong>de</strong>nadas; assim, os compostos são mais perfeitos do que os elementos, as plantas<br />

do que os minerais, os animais do que as plantas e os homens do que os outros animais; e em cada uma <strong>de</strong>ssas classes<br />

encontram-se espécies mais perfeitas do que as outras. Sendo, pois, a divina sabedoria a causa da distinção das coisas<br />

para a perfeição do universo, também será causa da sua <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>. Pois não seria perfeito o universo se nas coisas<br />

só se encontrasse um grau <strong>de</strong> bonda<strong>de</strong>” ( Suma Teológica I, q. 47, a. 2).<br />

De fato, não seria condizente com a perfeição <strong>de</strong> Deus criar um só ser. Pois nenhum ser criado, por excelente<br />

que se o imagine, teria condições <strong>de</strong>, por si só, refletir a<strong>de</strong>quadamente as infinitas perfeições <strong>de</strong> Deus.<br />

Assim, as criaturas são necessariamente múltiplas. E não apenas múltiplas, mas também necessariamente<br />

<strong>de</strong>siguais. É essa a doutrina do Santo Doutor:<br />

“Muitos bens finitos são melhores do que um só, pois eles teriam o que tem este, e ainda mais. Ora, é finita a<br />

bonda<strong>de</strong> <strong>de</strong> toda criatura, pois é <strong>de</strong>ficitária da infinita bonda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Deus. Logo é mais perfeito o universo havendo muitas<br />

criaturas, do que se houvesse um único grau <strong>de</strong>las. Ao sumo Bem compete fazer o que é melhor. Logo, era-Lhe<br />

conveniente fazer muitos graus <strong>de</strong> criaturas.<br />

“A<strong>de</strong>mais, a bonda<strong>de</strong> da espécie exce<strong>de</strong> a do indivíduo, como o formal exce<strong>de</strong> o material; logo, mais<br />

acrescenta a bonda<strong>de</strong> do universo a multiplicida<strong>de</strong> das espécies, do que a dos indivíduos <strong>de</strong> uma mesma espécie. Por<br />

isso, à perfeição do universo contribui não só haver muitos indivíduos, mas haver diferentes espécies e, por conseguinte,<br />

diferentes graus <strong>de</strong> coisas” ( Suma contra os gentios, Livro II, cap. 45).<br />

As <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s não são, pois, <strong>de</strong>feitos da Criação. São qualida<strong>de</strong>s excelentes <strong>de</strong>la, nas quais se espelha a<br />

infinita e adorável perfeição <strong>de</strong> seu Autor. E Deus Se compraz contemplando-as: “A diversid<strong>de</strong> e a <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> das<br />

criaturas não proce<strong>de</strong> do acaso, nem da diversida<strong>de</strong> da matéria, nem da intervenção <strong>de</strong> algumas causas ou méritos, mas<br />

proce<strong>de</strong> da própria intenção <strong>de</strong> Deus, que quis dar à criatura a perfeição que lhe era possível ter. Daí se dizer no Gênesis:<br />

‘Viu Deus tudo o que tinha feito, e era excelente’ (1, 31) ( Suma contra os gentios, loc. cit.).<br />

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