1987 - Projeto de Constituiçao angustia o país
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o matrimônio pôs-se a <strong>de</strong>slizar processivamente rumo ao amor livre. Assim, antes do divórcio, toda<br />
relação sexual extra-matrimonial <strong>de</strong> pessoa casada constituía adultério. Com o divórcio, essa relação<br />
per<strong>de</strong> algo do que tem <strong>de</strong> dramático. Pois, na generalida<strong>de</strong> dos casos, essa mesma relação po<strong>de</strong>ria<br />
realizar-se em conformida<strong>de</strong> com a lei, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que a prece<strong>de</strong>sse um divórcio, em geral fácil <strong>de</strong> obter.<br />
Mas – muitos se perguntarão – se o divórcio é tão fácil <strong>de</strong> obter, que é ele senão uma<br />
formalida<strong>de</strong> sem gran<strong>de</strong> importância? Então, será <strong>de</strong> tal maneira grave passar por cima <strong>de</strong>le e<br />
antecipar essa relação, enquanto o mesmo não é obtido?<br />
O raciocínio concessivo po<strong>de</strong> ir mais longe. Se algum obstáculo, como o montante dos gastos<br />
para o divórcio, ou então alguma conveniência social, leva a postergar por tempo in<strong>de</strong>finido um<br />
divórcio que será certamente obtido, que mal haverá em se <strong>de</strong>clarar à socieda<strong>de</strong> que se freqüenta, ter<br />
sido efetivado o divórcio e conseqüente casamento, criando assim uma situação social admitida por<br />
todos?<br />
Consolidada socialmente a situação, sobrevem a pergunta final: <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> cinco ou <strong>de</strong>z anos<br />
<strong>de</strong>sta situação estável, os “cônjuges” po<strong>de</strong>rão se pôr o problema: vale a pena divorciar-se? Vale a<br />
pena contrair novo casamento?<br />
Nossos costumes infelizmente caminham a passos rápidos para esse <strong>de</strong>sfecho. É sabido que,<br />
ao ser promulgado o divórcio no Brasil, muitos divorcistas supunham que os foros se abarrotassem<br />
<strong>de</strong> pedidos <strong>de</strong> divórcio. Tal, porém, esteve longe <strong>de</strong> suce<strong>de</strong>r. Prova acabrunhadora <strong>de</strong> que o número<br />
<strong>de</strong> uniões adulterinas, recebidas normalmente em muito amplos ambientes sociais, crescera <strong>de</strong> modo<br />
impressionante.<br />
A implantação do divórcio só po<strong>de</strong> ter acelerado essa <strong>de</strong>rrocada do matrimônio, e portanto<br />
da família. Prova-o a tendência a facilitar cada vez mais as separações e os “recasamentos” com<br />
terceiros, consignada na própria elaboração da nova Constituição (cfr. tópico 8 <strong>de</strong>ste capítulo).<br />
É impossível não perceber que o golpe da corrupção moral generalizada vai nos pondo a<br />
dois passos do amor livre. Tanto mais quanto a tão prepon<strong>de</strong>rante insistência da CNBB em consagrar<br />
o melhor <strong>de</strong> seu tempo à pregação <strong>de</strong> temas sócio-econômicos, limita gravemente a eficácia do<br />
obstáculo que a Igreja Católica – e só Ela, já que as leis eclesiásticas protestantes e greco-cismáticas,<br />
admitem o divórcio – po<strong>de</strong>ria opor a essa <strong>de</strong>rrocada. Assim, nada faz crer que, salvo um milagre, até<br />
lá não role o Brasil. É o que está patente a quem tenha olhos para ver.<br />
Mas, tudo isso posto, quantos juristas ten<strong>de</strong>rão a ir interpretando cada vez mais nesse rumo<br />
o significado <strong>de</strong> “família”? Nisto bem po<strong>de</strong>rão ser acompanhados por juizes que aceitem os<br />
sucessivos matizes <strong>de</strong>ssa palavra, que a <strong>de</strong>rrocada moral terá tornado elástica. Assim, ainda mesmo<br />
sem nova lei, po<strong>de</strong>r-se-á chegar até à equiparação da socieda<strong>de</strong> brasileira à legislação comunista sobre<br />
a família.<br />
O receio <strong>de</strong> que o art. 297 do Substitutivo Cabral 1, eliminado pelo Substitutivo Cabral 2,<br />
volte numa posterior redação do <strong>Projeto</strong> <strong>de</strong> Constituição não é infundado. Com efeito, dispositivos<br />
que constavam no chamado <strong>Projeto</strong> Cabral e que foram abolidos no Substitutivo Cabral 1 tornaram<br />
a aparecer no Substitutivo Cabral 2, como adiante se verá (cfr. tópico 10 <strong>de</strong>ste capítulo).<br />
A<strong>de</strong>mais, um resquício do artigo eliminado permanece no Cabral 2. Trata-se do art. 214, que<br />
reproduz textualmente o art. 250 do Cabral 1 e, ao dispor sobre Reforma Agrária, estabelece a inteira<br />
igualda<strong>de</strong> entre a esposa legítima e qualquer “companheira”.<br />
“Art. 214 – Os beneficiários da distribuição <strong>de</strong> imóveis rurais pela reforma agrária<br />
receberão títulos <strong>de</strong> domínio ou <strong>de</strong> concessão <strong>de</strong> uso, inegociáveis pelo prazo <strong>de</strong> <strong>de</strong>z anos.<br />
“Parágrafo único – O título <strong>de</strong> domínio será conferido ao homem e à mulher, esposa ou<br />
companheira”.<br />
Assim, é oportuno comentar aqui o que o Substitutivo Cabral 1 dispunha sobre a família no<br />
artigo eliminado no Substitutivo Cabral 2.<br />
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