1987 - Projeto de Constituiçao angustia o país
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Isto posto, é <strong>de</strong> recear que, <strong>de</strong>ntre tantos proprietários lesados a fundo, muitos concluam,<br />
dando-lhes ressonância trágica, com as palavras do bem conhecido estribilho: “Daqui não saio, daqui<br />
ninguém me tira”.<br />
Ante essas resistências eventuais, que restará fazer ao Po<strong>de</strong>r Público? Agarrar à força esses<br />
legítimos proprietários, bem como as suas esposas, seus filhos, seus familiares, os móveis que lhes<br />
guarnecem o lar, jogar tudo em caminhões, e obrigar a que <strong>de</strong>ixem a fazenda ou a proprieda<strong>de</strong> urbana,<br />
ou a empresa, rumo ao local mais próximo, on<strong>de</strong> serão atirados à rua homens e coisas, para que se<br />
arranjem como pu<strong>de</strong>rem, como souberem e como quiserem?<br />
* * *<br />
Essa operação, realizada contra legítimos proprietários, quiçá à vista <strong>de</strong> soldados <strong>de</strong> armas<br />
embaladas, se a imaginarmos realizada às centenas, aos milhares, que lembranças <strong>de</strong>ixarão nos<br />
corações sensíveis dos brasileiros? Tanto mais quanto, na presente quadra, a vida vai-se tornando<br />
sempre menos <strong>de</strong>sconfortável e arriscada para assassinos, ladrões e outros malfeitores <strong>de</strong> todo<br />
gênero.<br />
A pergunta talvez <strong>de</strong>sperte o riso <strong>de</strong> esquerdistas extremados, que retruquem: os<br />
beneficiários das reformas que assistirem à cena sentir-se-ão aliviados com a saída dos seus<br />
sanguessugas, e lhes aplaudirão <strong>de</strong> bom grado a merecida <strong>de</strong>cadência.<br />
Não causa estranheza que tal imaginem esses extremistas da esquerda, incorrigíveis em seu<br />
utopismo.<br />
Não é porém assim o brasileiro. Não habita em seu coração a sanha colérica dos<br />
guilhotinadores <strong>de</strong> 1789, nem dos mujiques ébrios e revoltados <strong>de</strong> 1917.<br />
Como já foi pon<strong>de</strong>rado, as hordas <strong>de</strong> “sem-terra” que invadiam as proprieda<strong>de</strong>s rurais –<br />
durante os gran<strong>de</strong>s shows anteriores à difusão, feita pela TFP, dos Pareceres <strong>de</strong> dois jurisconsultos<br />
brasileiros sobre o direito <strong>de</strong> os proprietários resistirem à mão armada – não consta que em nenhum<br />
momento tenham tido o apoio <strong>de</strong> trabalhadores empregados no próprio imóvel invadido.<br />
* * *<br />
A cena anteriormente <strong>de</strong>scrita é entretanto incompleta. Falta-lhe um figurante essencial. É o<br />
Vigário do local, com cujo apoio o agro-reformismo hoje conta, como o reformismo urbano e<br />
empresarial amanhã, para obter uma maior flexibilida<strong>de</strong> na atitu<strong>de</strong> da vítima.<br />
Será este o conselho do ameno Cura à vítima da <strong>de</strong>sapropriação: “Meu caro sr., não pense<br />
só em si, porém nos milhões <strong>de</strong> brasileiros que morrem <strong>de</strong> fome. E consinta em salvar-lhes a vida<br />
mediante a imolação <strong>de</strong> seus interesses pessoais. É esta a opção preferencial pelos pobres, imposta<br />
pela justiça cristã”.<br />
Mas o trágico da situação agiliza as mentes. A réplica vem pronta, nos lábios do proprietário<br />
interpelado:<br />
“Sr. Padre, como ministro <strong>de</strong> Deus, o sr. está no seu direito <strong>de</strong> me lembrar que a vida <strong>de</strong><br />
milhões <strong>de</strong> pobres vale mais do que o patrimônio <strong>de</strong> quem não é pobre. Concordo com o sr. e conheço<br />
bem o que é a função social da proprieda<strong>de</strong>, ensinada pelos Papas.<br />
“Mas quem me prova que esses milhões <strong>de</strong> pobres realmente morrem <strong>de</strong> fome no Brasil?<br />
Que documentação o sr. apresenta nesse sentido?<br />
“Como me <strong>de</strong>monstra o sr. que o melhor meio para resolver a situação dos pobres autênticos<br />
seja esta apocalíptica divisão <strong>de</strong> todas as proprieda<strong>de</strong>s, <strong>de</strong> qualquer or<strong>de</strong>m que seja, no Brasil inteiro?<br />
“Estes são problemas temporais <strong>de</strong> caráter econômico e social. Sobre a autenticida<strong>de</strong> <strong>de</strong>les<br />
e os meios a<strong>de</strong>quados para os resolver compete que se pronunciem os homens que têm estudos<br />
especiais, ou possuem prática profissional nessas matérias. Neste último caso estou eu.<br />
“Quanto ao sr., que tem mandato para me falar em nome <strong>de</strong> Jesus Cristo e da Igreja, com<br />
base na doutrina católica, não lhe assiste o direito <strong>de</strong> me impor sua opinião pessoal acerca <strong>de</strong> qual<br />
seja a realida<strong>de</strong> autêntica dos problemas alegados pelo tríplice reformismo – agrário, urbano e<br />
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