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1987 - Projeto de Constituiçao angustia o país

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O <strong>de</strong>putado Bernardo Cabral <strong>de</strong>sempenhou perfeitamente o papel que lhe fora confiado,<br />

puxando o texto do <strong>Projeto</strong> <strong>de</strong> Constituição o mais para esquerda que lhe era possível. E não teve<br />

dúvidas em o <strong>de</strong>clarar para quem quisesse ouvir: Aproveitar as sugestões mais ‘progressistas’ em<br />

<strong>de</strong>trimento das mais ‘conservadoras’. Esse é o critério <strong>de</strong> escolha entre artigos conflitantes votados<br />

pelas comissões temáticas do Congresso constituinte. Quem explicou isto ontem em Brasília foi o<br />

<strong>de</strong>putado Bernardo Cabral (PMDB-AM), relator da Comissão <strong>de</strong> Sistematização (“Folha <strong>de</strong> S.<br />

Paulo”, 24-6-87).<br />

No final do trabalho, contudo, o <strong>de</strong>putado Cabral parece ter ficado assustado com as<br />

conseqüências do critério que adotou. É pelo menos o que dá a enten<strong>de</strong>r uma notícia do “Jornal do<br />

Brasil”: O relator da Comissão <strong>de</strong> sistematização, Bernardo Cabral, não assinaria o anteprojeto <strong>de</strong><br />

Constituição que está impresso em seu nome, assim como o texto que apresentará nesta sexta-feira.<br />

Mas assinaria um texto em que o aborto não seria amplamente liberado, o trabalhador não teria<br />

asseguradas 40 horas semanais <strong>de</strong> trabalho, a anistia dos militares não incluiria a reintegração com<br />

as vantagens estatutárias, a reforma agrária seria ‘realizável’ e o parlamentarismo só seria adotado<br />

em 1990.<br />

Não estaria montada <strong>de</strong>sse modo uma audaciosa manobra, <strong>de</strong> tal forma que, lançado um<br />

<strong>Projeto</strong> <strong>de</strong> Constituição <strong>de</strong>bandadamente esquerdista, após sucessivos recuos que os sobressaltos da<br />

opinião pública viessem a exigir, se chegasse ao texto mais revolucionário que o Brasil estremunhado<br />

fosse capaz <strong>de</strong> aceitar sem reações convulsivas?<br />

5 . A polarização esquerdista <strong>de</strong>ntro do PMDB repercute na Constituinte,<br />

ameaçando arrastar o País por rumos não <strong>de</strong>sejados pela maioria da população<br />

Como resulta dos fatos já relatados, a situação interna do PMDB, Partido largamente<br />

majoritário nas últimas eleições (302 das 559 ca<strong>de</strong>iras), se refletiu <strong>de</strong> modo direto nos trabalhos da<br />

Constituinte.<br />

Suce<strong>de</strong>, porém, que o Partido nem <strong>de</strong> longe apresenta uma homogeneida<strong>de</strong> doutrinária. O<br />

“Jornal do Brasil” (8-7-87) <strong>de</strong>screve pormenorizadamente a in<strong>de</strong>finição i<strong>de</strong>ológica do PMDB.<br />

O maior partido político do país não conseguiu resolver no governo a sua ambivalência. O<br />

PMDB é a história <strong>de</strong> uma unida<strong>de</strong> por exclusão: como o partido não consegue se dividir em dois,<br />

porque nenhuma <strong>de</strong> suas gran<strong>de</strong>s tendências abdica do prestígio histórico da legenda para fins<br />

eleitorais, a unicida<strong>de</strong> é fictícia e teórica. Não resiste à mais elementar necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>finição. ...<br />

O PMDB até hoje não <strong>de</strong>finiu a sua i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> i<strong>de</strong>ológica: po<strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>rado um partido<br />

<strong>de</strong>mocrático <strong>de</strong> centro, ou ao contrário, um partido <strong>de</strong> inclinação crescente para a esquerda? Em<br />

geral, as condições têm mo<strong>de</strong>lado o PMDB para as necessida<strong>de</strong>s. ...<br />

A Constituinte também está sendo inviabilizada pela ambivalência que não se exprime com<br />

o mínimo <strong>de</strong> coerência <strong>de</strong>mocrática. Se o PMDB figura em todos os diagnósticos da crise brasileira,<br />

o tratamento tem que começar por ele. ...<br />

Pela superposição que faz o PMDB coincidir com o impasse da Constituinte e com a crise<br />

<strong>de</strong> governabilida<strong>de</strong>, chegou o momento da verda<strong>de</strong>: ou se reunifica, para permitir à nação e ao<br />

governo trabalharem em conjunto, ou se divi<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma vez por todas, para aten<strong>de</strong>r às exigências da<br />

sua duplicida<strong>de</strong> i<strong>de</strong>ológica. A Constituinte é o cenário da <strong>de</strong>finição, que será feita na convenção dos<br />

dias 17 e 18 próximos.<br />

A Convenção do Partido realizou-se em julho, num clima <strong>de</strong> tumulto. Assim a <strong>de</strong>screve<br />

Villas-Bôas Corrêa, no “Jornal do Brasil” (22-7-87):<br />

A Convenção po<strong>de</strong>ria ter salvo as aparências e guardado a compostura da encenação <strong>de</strong><br />

um espetáculo que distraísse o distinto público e engambelasse o seu imenso eleitorado com números<br />

<strong>de</strong> truz: gran<strong>de</strong>s discursos, <strong>de</strong>bates animados, o choque das idéias, a animação do auditório.<br />

Como show, foi uma lástima. Poucas vezes a televisão terá chocado o país com cenas <strong>de</strong><br />

tão boçal selvageria, com a estridência da mais odienta intolerância <strong>de</strong> parte a parte. Não era um<br />

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