1987 - Projeto de Constituiçao angustia o país
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
Ora, a “posse permanente” das terras ocupadas pelos índios <strong>de</strong>signa uma inalienabilida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>ssas terras, sem prazo fixo. E por tempo in<strong>de</strong>terminado. Para todo o sempre.<br />
É o que se <strong>de</strong>preen<strong>de</strong> do § 2 º do mesmo art. 262, segundo o qual as terras <strong>de</strong> posse imemorial<br />
dos índios “são bens inalienáveis e imprescritíveis da União”.<br />
É digno <strong>de</strong> nota que, segundo o Substitutivo Cabral 2, os índios não têm o direito <strong>de</strong><br />
proprieda<strong>de</strong> sobre as terras que ocupam, mas apenas o “usufruto exclusivo” <strong>de</strong>las. O proprietário é o<br />
Estado.<br />
Ora, esta proprieda<strong>de</strong> do Estado jamais cessa? Em nenhum momento se estabelecerá entre<br />
os índios, ou os <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong>stes, o regime da proprieda<strong>de</strong> privada? É este mais um dos pontos<br />
danosamente obscuros do Substitutivo Cabral 2 , nessa matéria.<br />
Chama a atenção, neste artigo, a amplitu<strong>de</strong> do usufruto que se beneficiam os índios. Pois<br />
eles têm o direito, não só ao “usufruto exclusivo das riquezas naturais do solo” – direito que o<br />
Substitutivo nega aos que não são índios (cfr. art. 197) – mas também ao usufruto exclusivo “dos<br />
recursos fluviais e <strong>de</strong> todas as utilida<strong>de</strong>s nelas existentes”.<br />
5 . Socialismo autogestionário entre os índios<br />
O parágrafo 1 º do art. 262 dispõe ainda que “são terras <strong>de</strong> posse imemorial on<strong>de</strong> se acham<br />
permanentemente localizados os índios, aquelas <strong>de</strong>stinadas à sua habitação efetiva, às suas<br />
ativida<strong>de</strong>s produtivas e as necessárias à sua preservação cultural, segundo seus usos, costumes e<br />
tradições”. Tais terras são, como se viu, “bens inalienáveis e imprescritíveis da União”. (art. 262, §<br />
2 º ).<br />
O aqui disposto assegura a posse, pelos índios, <strong>de</strong> áreas verda<strong>de</strong>iramente latifundiárias e <strong>de</strong><br />
exploração absolutamente insuficiente.<br />
Aos índios, tal forma <strong>de</strong> utilizar a terra não só é tolerada e permitida, mas até é garantida<br />
sem nenhum dano para os direitos <strong>de</strong>les sobre a terra. O que é compreensível, uma vez que eles<br />
constituem o Herrenvolk, como que o “povo senhor” do Brasil <strong>de</strong> amanhã, segundo o Substitutivo<br />
Cabral 2.<br />
Mas ai do branco que incida no mesmo procedimento, o Substitutivo o fulmina com a<br />
<strong>de</strong>sapropriação confiscatória, que em muitos casos concretos o atirará à miséria. Para os párias<br />
brancos, o ônus <strong>de</strong> uma função social entendida com toda a amplitu<strong>de</strong> <strong>de</strong>finida pela doutrina<br />
socialista. Pelo contrário, para os índios não há função social. Ele nada <strong>de</strong>ve ao Estado. E este, sim,<br />
lhe <strong>de</strong>ve tudo.<br />
A proprieda<strong>de</strong> das terras ocupadas pelos índios é da União. Sobre tais terras pesa o vínculo<br />
<strong>de</strong> inalienabilida<strong>de</strong> e este não prescreve. Assim, a qualquer tempo e enquanto não se reformarem tais<br />
dispositivos constitucionais, terão os índios o direito à posse e ao “usufruto exclusivo” <strong>de</strong>ssas terras.<br />
* * *<br />
É esse o momento <strong>de</strong> indagar qual o regime sócio-político que o Substitutivo Cabral 2 prevê<br />
para essas unida<strong>de</strong>s como que nacionais indígenas.<br />
Mais precisamente, pergunta-se: o Substitutivo visa preservar quanto possível a poligamia,<br />
a qual, em face do contexto brasileiro e até do americano, constitui uma característica dos índios?<br />
Visa ele conservar a comunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> bens fundiários, e talvez a <strong>de</strong> alguns bens não fundiários, que<br />
parece ser outra característica <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> parte das unida<strong>de</strong>s indígenas?<br />
O Substitutivo se mostra muito propenso a toda espécie <strong>de</strong> transformações que se vão<br />
operando na contemporânea socieda<strong>de</strong> dos brancos brasileiros. Mas, em sentido contrário, ele se<br />
mostra ferrenhamente conservador em relação aos indígenas. Ele lhes quer proteger e conservar tudo.<br />
Até o paganismo.<br />
182