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1987 - Projeto de Constituiçao angustia o país

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O modo pelo qual tal fórmula é incluída no Preâmbulo parece indicar uma i<strong>de</strong>ologia <strong>de</strong><br />

fundo, subjacente em todo o Substitutivo. Mas, qualquer que seja a interpretação que se dê a essa<br />

fórmula, melhor teria sido não insculpir no texto-base da nova Constituição lema <strong>de</strong> conteúdo tão<br />

exposto a dúvidas e controvérsias.<br />

3 . Uma interpretação radical da trilogia revolucionária<br />

Uma das interpretações mais radicais a que aquela trilogia se presta po<strong>de</strong> ser enunciada como<br />

segue. A justiça preceitua que haja uma igualda<strong>de</strong> absoluta entre os homens. Só esta, suprimindo<br />

qualquer autorida<strong>de</strong>, realiza inteiramente a liberda<strong>de</strong> e a fraternida<strong>de</strong>. A liberda<strong>de</strong> só admite um<br />

limite: o indispensável para impedir que homens mais dotados constituam em proveito próprio<br />

alguma superiorida<strong>de</strong> <strong>de</strong> mando, <strong>de</strong> prestígio ou <strong>de</strong> haveres. A verda<strong>de</strong>ira fraternida<strong>de</strong> <strong>de</strong>corre do<br />

relacionamento entre os homens inteiramente iguais e livres.<br />

De 1789 até 1794, os sucessivos lí<strong>de</strong>res revolucionários franceses se foram inspirando em<br />

interpretações da famosa trilogia, cada vez mais próximas <strong>de</strong>ste enunciado radical. Já agonizante, a<br />

Revolução Francesa, tão aparatosamente mo<strong>de</strong>rada em seus primeiros dias, teve espasmos <strong>de</strong><br />

significado nitidamente comunista. Como que repetindo em câmara lenta o processo <strong>de</strong>ssa revolução,<br />

o mundo <strong>de</strong>mocrático levou em seguida – ou está acabando <strong>de</strong> levar – às suas últimas conseqüências,<br />

o nivelamento político das classes, muito embora ainda conserve aspectos hierárquicos em sua<br />

cultura, como em seu regime social e econômico.<br />

Po<strong>de</strong>m-se discutir os fatos, os lugares e as datas em que, no século XIX, começaram os<br />

principais movimentos em favor do nivelamento cultural e sócio-econômico. O certo é que, em<br />

meados do século, eles se tinham estendido a muitos países e haviam adquirido forte consistência em<br />

vários. A ponto <strong>de</strong> inspirarem acontecimentos como, na França, a Revolução <strong>de</strong> 1848 e a Comuna <strong>de</strong><br />

1871. A<strong>de</strong>mais, é patente em nosso século a presença <strong>de</strong>les entre os fatores profundos da Revolução<br />

russa <strong>de</strong> 1917 e, em conseqüência, a propagação do regime comunista aos países além das cortinas<br />

<strong>de</strong> ferro e <strong>de</strong> bambu, e outros. Sem falar <strong>de</strong> todas as revoluções e agitações comunistas que têm<br />

abalado diversas partes do mundo, entre as quais a explosão da Sorbonne <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1968.<br />

Pio VI con<strong>de</strong>nou reiteradas vezes a falsa concepção <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> e <strong>de</strong> igualda<strong>de</strong>. No Consistório Secreto <strong>de</strong> 17<br />

<strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1793, confirmando as palavras da Encíclica Inscrutabile Divinae Sapientiae <strong>de</strong> 25 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1775,<br />

<strong>de</strong>clarou o seguinte:<br />

“Estes perfidíssimos filósofos acometem isto ainda: dissolvem todos aqueles vínculos pelos quais os homens<br />

se unem entre si e aos seus superiores e se mantêm no cumprimento do <strong>de</strong>ver. E vão clamando e proclamando até à<br />

náusea que o homem nasce livre e não está sujeito ao império <strong>de</strong> ninguém; e que, por conseguinte, a socieda<strong>de</strong> não passa<br />

<strong>de</strong> um conjunto <strong>de</strong> homens estúpidos, cuja imbecilida<strong>de</strong> se prosterna diante dos sacerdotes (pelos quais são enganados)<br />

e diante dos reis (pelos quais são oprimidos); <strong>de</strong> tal sorte que a concórdia entre o sacerdócio e o império outra coisa<br />

não é que uma monstruosa conspiração contra a inata liberda<strong>de</strong> do homem (Encíclica Inescrutabile Divinae Sapientiae).<br />

A esta falsa e mentirosa palavra Liberda<strong>de</strong>, esses jactanciosos patronos do gênero humano atrelaram outra palavra<br />

igualmente falaz, a Igualda<strong>de</strong>. Isto é, como se entre os homens que se reuniram em socieda<strong>de</strong> civil, pelo fato <strong>de</strong> estarem<br />

sujeitos a disposições <strong>de</strong> ânimo variadas e se moverem <strong>de</strong> modo diverso e incerto, cada um segundo o impulso <strong>de</strong> seu<br />

<strong>de</strong>sejo, não <strong>de</strong>vesse haver alguém que, pela autorida<strong>de</strong> e pela força prevaleça, obrigue e governe, bem como chame aos<br />

<strong>de</strong>veres os que se conduzem <strong>de</strong> modo <strong>de</strong>sregrado, a fim <strong>de</strong> que a própria socieda<strong>de</strong>, pelo ímpeto tão temerário e<br />

contraditório <strong>de</strong> incontáveis paixões, não caia na Anarquia e se dissolva completamente; à semelhança do que se passa<br />

com a harmonia, que se compõe da conformida<strong>de</strong> <strong>de</strong> muitos sons, e que se não consiste numa a<strong>de</strong>quada combinação <strong>de</strong><br />

cordas e vozes, esvai-se em ruídos <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>nados e completamente dissonantes” (Pii VI Pont. Max. Acta, Typis S.<br />

Congreg. De Propaganda Fi<strong>de</strong>, Roma, 1871, vol. II, pp. 26-27).<br />

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Em discurso no aeroporto Le Bourget, em Paris, em 1 º <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1980, João Paulo II afirmou: “Que<br />

não fizeram os filhos e filhas <strong>de</strong> vossa nação para o conhecimento do homem, para exprimir o homem pela formulação<br />

<strong>de</strong> seus direitos inalienáveis! Sabe-se o lugar que a idéia <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong>, <strong>de</strong> igualda<strong>de</strong> e <strong>de</strong> fraternida<strong>de</strong> tem em vossa<br />

cultura, em vossa história. No fundo, estas são idéias cristãs. Eu o digo tendo bem consciência que aqueles que foram os<br />

primeiros a formular este i<strong>de</strong>al, não se referiam à aliança do homem com a sabedoria eterna. Mas eles queriam agir<br />

pelo homem” (Insegnamenti di Giovanni Paolo II, Libreria Editrice Vaticana, 1980, vol. III, 1, p. 1589).<br />

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