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Edição Nº 19 - Uneb

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Odemodé egbé asipá: para além do “ensino da história e cultura afro-brasileira”<br />

seus artigos a cursos de capacitação para professores,<br />

o que romperia com a unidade de conteúdo<br />

da LDB e contrariaria uma norma de interesse<br />

público da Lei complementar nº 95 de 26<br />

de fevereiro de <strong>19</strong>98, segundo a qual a Lei não<br />

conterá matéria estranha a seu objeto.<br />

Deve-se considerar também que esse assunto<br />

nunca foi devidamente tratado pela legislação<br />

educacional brasileira anterior à LDB. Os próprios<br />

Parâmetros Curriculares Nacionais tratam<br />

a temática da pluralidade cultural como algo<br />

“transversal” dentro dos currículos brasileiros.<br />

Diversos desafios são colocados diante de<br />

nós, tais como: organizar um currículo que atenda<br />

a essas necessidades no que diz respeito à<br />

escolha dos conteúdos a serem abordados,<br />

materiais didáticos a serem utilizados; analisar<br />

capacidade reflexiva do sistema educacional<br />

brasileiro sobre esse tema; e, principalmente,<br />

considerar as interpretações restritivas da retórica<br />

técnica jurídico-política da Lei.<br />

O desafio mais instigante, entretanto, não é<br />

esse. Ele está relacionado às referências existenciais<br />

e às motivações que fizeram a Lei<br />

emergir e, sobretudo, a suas implicações no<br />

contexto das escolas brasileiras.<br />

Nesse sentido é importante ressaltar que o<br />

Projeto Odemodé, cerne deste artigo, nasceu<br />

da necessidade de afirmação existencial dos<br />

jovens de uma comunidade africano-brasileira<br />

na Bahia. A sua linguagem pedagógica foi<br />

construída a partir das referências ancestrais<br />

da comunidade, o que favorecia a afirmação<br />

das identidades culturais.<br />

Os nossos educadores estariam preparados<br />

para a abordagem de tais temas? A resposta é<br />

não! Os professores no Brasil, de uma forma<br />

geral, não têm formação para o ensino de História<br />

da África e não são estimulados a pensar<br />

e perceber a riqueza pluricultural da nação.<br />

Outra questão: De qual noção de África se<br />

está falando? Quais idéias estão implicadas<br />

nessa noção de África?<br />

Existem diversas instituições que se preocupam<br />

com a Lei. Há uma movimentação<br />

incipiente, entre algumas instituições, para criação<br />

de cursos com a finalidade de “capacitar”<br />

professores nessa área. Muitas iniciativas já<br />

existentes devem ser revistas e analisadas. A<br />

Bahia tem muito a contribuir com isso.<br />

Um fato que tem sido colocado em questão<br />

é se a autonomia trazida pela LDB às instituições<br />

educacionais no Brasil estaria sendo comprometida<br />

com a sanção desta Lei. Acredito<br />

que esse argumento não é suficientemente forte<br />

para considerá-la um empecilho para a autonomia<br />

gerada pela LDB, pois a Lei 10.639 não<br />

revoga nenhum de seus artigos anteriores, mas<br />

reforça um aspecto importante que nunca foi<br />

devidamente tratado pela educação nacional;<br />

ou seja, a criação dessa nova lei não exclui a<br />

possibilidade de que sejam ensinados, no currículo<br />

da educação básica, conteúdos inerentes<br />

à história e cultura de outra etnia; ao contrario,<br />

a sanção dessa lei pode estar despertando essa<br />

necessidade em outras partes da população de<br />

origens distintas no Brasil.<br />

Há um problema muito maior que pode estar<br />

sendo tocado com a Lei 10.639/03. É o fato<br />

de a histografia oficial brasileira sempre retratar<br />

o afro-descendente sob o ponto de vista<br />

pejorativo, incutindo a identidade de escravo,<br />

numa leitura linear evolucionista, deixando de<br />

informar sobre o patrimônio civilizatório africano<br />

e de ressaltar a importância desse segmento<br />

social na constituição da população e da identidade<br />

brasileira, recalcando, desta forma, a população<br />

de origem africana.<br />

Há, no discurso da “inteligentzia” brasileira,<br />

um pensamento ainda marcadamente<br />

eurocêntrico. Ilustro este aspecto com uma<br />

análise um tanto equivocada de um editorialista<br />

do jornal Folha de São Paulo, que afirma em<br />

sua coluna:<br />

O fenômeno da discriminação atinge todas as<br />

minorias e até algumas maiorias, como é o caso<br />

das mulheres. Ao fazer uma historiografia dos<br />

negros, estamos deixando de fazer a dos índios,<br />

dos asiáticos, dos árabes, dos judeus e de todos<br />

os grupos étnicos com presença no país e que<br />

poderiam legitimamente reclamar o mesmo tratamento.<br />

E eu não acho que faça o menor sentido enterrarmos<br />

o ensino da história que muitos chamam<br />

pejorativamente de branca e masculina em<br />

favor de dezenas histórias alternativas (...) é<br />

preciso reconhecer que somos uma sociedade<br />

102 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 12, n. <strong>19</strong>, p. 99-111, jan./jun., 2003

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