Edição Nº 19 - Uneb
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Por uma escola da roça<br />
la rural, implica uma necessária problematização<br />
das diferenças, identificando, no contexto<br />
social, seu conteúdo, interrogando-se seu<br />
porquê; e, igualmente, as formas como elas foram/são<br />
(re)construídas e mantidas e/ou transformadas.<br />
Implica também aperceber-se das<br />
conseqüências desse processo, bem como das<br />
possibilidades e oportunidades de diálogo com<br />
outras culturas.<br />
O homem, a mulher e a criança da roça estão<br />
permanentemente expostos a um processo<br />
de colonização cultural que nega seus valores,<br />
sua cultura, sua memória, sua identidade. Afirma<br />
Arroyo (<strong>19</strong>99, p.29): “A cultura hegemônica<br />
trata os valores, as crenças, os saberes do campo<br />
ou de maneira romântica, ou de maneira depreciativa,<br />
como valores ultrapassados, como<br />
saberes tradicionais, pré-científicos, pré-modernos”.<br />
Entender a produção histórica desse processo,<br />
promover o resgate da memória cultural<br />
do povo da roça e a valorização de seus marcadores<br />
culturais parece ser uma tática importante<br />
na afirmação da identidade cultural da<br />
criança, do jovem, do adulto, do velho, do homem<br />
e da mulher da roça, objetivando-se contribuir<br />
para que eles se assumam como sujeitos<br />
históricos, produtores de cultura. Assim, entendemos<br />
ser necessário abrir espaço para o resgate<br />
do saber popular (músicas, brincadeiras, festas<br />
populares, comidas, ervas medicinais, conhecimento<br />
sobre o meio, técnicas de trabalho, etc.)<br />
e de práticas culturais que têm sido aniquiladas<br />
através de um perverso processo de homogeneização<br />
cultural que vem sendo levado a cabo<br />
há algumas décadas na zona rural e que, na última<br />
década, se expande e se intensifica de forma<br />
totalitária sob a influência da televisão.<br />
Mas os processos de homogeneização cultural<br />
não correm em águas tão tranqüilas. Como<br />
apontam autores como Hall (<strong>19</strong>97) e Moreira<br />
(2002), os processos de homogeneização cultural<br />
não são assim tão lineares. Stuart Hall<br />
(<strong>19</strong>97, p.<strong>19</strong>) afirma que “... todos sabemos que<br />
as conseqüências dessa revolução cultural global<br />
não são nem tão uniformes, nem tão fáceis<br />
de ser previstas da forma como sugerem os<br />
‘homogeneizadores’ mais extremos”.<br />
4. POR UMA ARKHÉ DA ROÇA<br />
4.1. Rompendo com as categorias<br />
de análise<br />
Os aportes teóricos oferecidos pelas leituras<br />
que temos feito no âmbito de nosso curso,<br />
tais com Luz (<strong>19</strong>99; 2000), Foucault (<strong>19</strong>99;<br />
2002), Martins, (2000), Favero e Santos (2002),<br />
entre outros, têm-nos nos permitido inverter as<br />
lógicas de análises pautadas em conceitos tributários<br />
das metanarrativas que pretendem esquadrinhar<br />
os objetos de análise em conceitos<br />
pré-estabelecidos e congelar a diversidade e a<br />
fluidez que pulsam na vida cotidiana.<br />
Narcimária Luz, buscando romper com análises<br />
ancoradas em valores neocoloniais e imperialistas,<br />
tem recorrido à noção de arkhé para<br />
compreender outros continentes teórico-epistemológicos<br />
que se afastam da racionalidade ocidental.<br />
Nessa perspectiva, compreende arkhé<br />
como “... princípios inaugurais que estabelecem<br />
sentido, forças e dão pulsão às formas de linguagem<br />
estruturadoras da identidade; princípiocomeço-origem”<br />
(<strong>19</strong>99, p. 49).<br />
Assim, para falarmos de nosso lugar, da<br />
arkhé da regiões do Recôncavo Sul e do Vale<br />
do Jiquiriçá, as contribuições de Foucault (<strong>19</strong>99;<br />
2002) e de Martins (2000) revelam-se de suma<br />
importância. O primeiro, por demolir a idéia de<br />
linearidade e, em seu lugar, chamar a descontinuidade,<br />
a imprevisibilidade e o acontecimento<br />
para explicar a realidade; o segundo, por permitir-nos<br />
compreender a roça como o marginal,<br />
o residual, forjado na forma “anômala” como<br />
a Modernidade se materializou no Brasil. Assim,<br />
Foucault e Martins nos oferecem subsídios<br />
para entender que, embora o Brasil tenha<br />
suas origens no meio rural, em determinado<br />
momento de sua história, o rural passa a ser<br />
negado, passa a ser considerado um ‘não lugar’<br />
11 . Mas não é todo o rural que se nega; o<br />
11<br />
Speyer (<strong>19</strong>83) aponta a chegada da Família Real ao<br />
Brasil, em 1808, como o marco inicial desse processo de<br />
desvalorização do rural. Queirós (<strong>19</strong>78) indica as décadas<br />
de 20 e 30 do século XIX como o período em que a<br />
separação entre o rural e o urbano já adquire uma certa<br />
consistência, consolidando-se nas décadas seguintes.<br />
152 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 12, n. <strong>19</strong>, p. 147-158, jan./jun., 2003