Edição Nº 19 - Uneb
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Antonio Sérgio Alfredo Guimarães<br />
ocupação das universidades, mas não acredito<br />
que todos os ‘negros” que prestem exame vestibular<br />
e obtenham nota superior à mínima, digamos<br />
5 numa escala de 0 a 10, sejam aprovados.<br />
Talvez devessem ser.<br />
Na verdade, o argumento dos professores<br />
reflete muito mais, como vimos, a falta de confiança<br />
no governo por parte da comunidade<br />
universitária. A política do Ministério da Educação<br />
em relação às universidades gerou a desconfiança<br />
de que o governo tinha a intenção de<br />
desmanchar ou, pelo menos, diminuir a importância<br />
do sistema público de ensino superior do<br />
país, construído nos anos <strong>19</strong>30, <strong>19</strong>40 e <strong>19</strong>50.<br />
Finalmente, uma terceira maneira de desqualificar<br />
as políticas públicas que beneficiam membros<br />
de grupos privilegiados negativamente tem<br />
sido alegar o prejuízo que tais medidas podem<br />
causar a membros de outros grupos. Afinal, nossos<br />
direitos são definidos e garantidos a indivíduos<br />
e não a grupos. É perfeitamente possível que o<br />
estabelecimento de uma cota que beneficie os<br />
“negros”, por exemplo, acabe por limitar o acesso<br />
de “amarelos” à universidade.<br />
Como evitar esses efeitos perversos? Em<br />
primeiro lugar, é preciso que fique bem claro o<br />
objetivo das universidades públicas: elas se destinam<br />
apenas aos mais competitivos e mais capazes?<br />
Elas se destinam apenas aos estudantes<br />
mais carentes? Qual é o perfil que se deseja<br />
para o alunado dessas escolas? Como evitar<br />
uma associação perversa entre competitividade<br />
e nível de renda? Entre competitividade e identidade<br />
racial? São essas, eu creio, as questões<br />
éticas que estão em jogo. As respostas a essas<br />
questões devem ser buscadas nas próprias comunidades<br />
universitárias e na sociedade como<br />
um todo.<br />
Há muita coisa em jogo, inclusive a sobrevivência<br />
das universidades orientadas para a pesquisa<br />
e não apenas para o ensino. Enquanto não<br />
ficar claro o compromisso do governo com a expansão<br />
da pesquisa científica nessas universidades,<br />
qualquer movimento no sentido da flexibilização<br />
do acesso pode ser mal interpretado.<br />
No entanto, a questão básica continua: a<br />
excelência acadêmica pode ficar reservada aos<br />
“brancos”? A comunidade científica pode continuar<br />
a dar de ombros e dizer que esse não é o<br />
seu problema?<br />
Em termos práticos, indico apenas algumas<br />
saídas: é preciso, em primeiro lugar, criar mais<br />
vagas, para evitar assim o “jogo de soma zero”.<br />
Em segundo lugar, talvez seja também necessário<br />
ir mais além: por uma questão de justiça<br />
social, aliar ao critério da cor o critério da carência<br />
sócio-econômica; unir políticas de flexibilização<br />
ao acesso às universidades públicas<br />
com políticas de concessão de bolsas de estudo<br />
para alunos de universidades particulares, etc.<br />
REFERÊNCIAS<br />
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negros e carentes. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais). Universidade Federal de São Carlos, SP, 2001.<br />
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p. 21-48.<br />
BARROS, Ricardo Paes de; HENRIQUES, Ricardo; MENDONÇA, Rosane. Pelo fim das Décadas Perdidas:<br />
educação e desenvolvimento sustentado no Brasil. Rio de Janeiro: IPEA, 2001. (Texto para Discussão, n. 857).<br />
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Paulo, SP: UNESCO-ANHEMBI, <strong>19</strong>55.<br />
BRASIL. Projeto Alvorada. Brasília, DF: Presidência da República, 2000.<br />
CASTRO, Maria H. G. de. As desigualdades regionais no sistema educacional brasileiro. In: HENRIQUES,<br />
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CUNHA, Luiz Antonio. Escola pública, escola particular: a democratização do ensino. São Paulo, SP:<br />
Cortez, <strong>19</strong>86.<br />
DaMATTA, Roberto. Notas sobre o racismo à brasileira. In: SOUZA, Jessé (org.). Multiculturalismo e<br />
racismo: uma comparação Brasil-Estados Unidos. Brasília, DF: Paralelo 15, <strong>19</strong>97. p. 69-76.<br />
Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 12, n. <strong>19</strong>, p. <strong>19</strong>1-204, jan./jun., 2003<br />
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