Edição Nº 19 - Uneb
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Práticas pedagógicas, cultura, história e tradição: um relato da experiência educativa em Novos Alagados<br />
Introdução<br />
A memória das experiências educativas realizadas<br />
na comunidade de Novos Alagados,<br />
subúrbio de Salvador, em diversas instituições<br />
de ensino e projetos sociais é o objeto deste<br />
trabalho.<br />
Busco descrever uma proposta pedagógica<br />
realizada ao longo de nove anos, desde <strong>19</strong>94,<br />
da qual fiz parte como educador e coordenador<br />
pedagógico, a exemplo do Cluberê de Meninos<br />
Trabalhadores de Novos Alagados, da Sociedade<br />
1 o de Maio; do Reforço Escolar, da Associação<br />
Humano Progresso e do Centro Educativo<br />
João Paulo II, mantido pela AVSI/CDM 1 ,<br />
localizados em um contexto social caracterizado<br />
pela violência, pobreza e situações de risco,<br />
cada vez mais presentes nas favelas brasileiras,<br />
particularmente nas décadas de <strong>19</strong>90 e<br />
2000.<br />
Como no Brasil costumam afirmar que não<br />
temos memória, essa é uma pequena contribuição<br />
para que haja o entendimento de que, enquanto<br />
os teóricos enchem as livrarias, os educadores<br />
que estão na prática cotidiana conseguem<br />
registrar e difundir suas experiências.<br />
Para a sistematização dessas experiências<br />
parto da premissa de que a escrita e outras formas<br />
de registro (fotografias, textos, relatos de<br />
experiências) fazem permanecer aquilo que<br />
realizamos nas salas de aula. Há um conhecimento<br />
que é nosso, brasileiro, culturalmente situado,<br />
e ao qual podemos dar a nossa contribuição,<br />
enquanto participantes da cultura deste país.<br />
Surge, então, a necessidade de escrever e efetivar<br />
estes registros.<br />
Neste sentido, o objetivo destas páginas é<br />
vislumbrar diversas experiências que valorizaram,<br />
no seu conteúdo e na prática, um saber<br />
sonegado pela educação tradicional e oficial, que<br />
reduz os conhecimentos às páginas dos livros<br />
didáticos, esquecendo-se de que há uma cultura<br />
e uma educação que nascem do contexto<br />
social e da cultura popular, como a que indicaremos<br />
ao apresentar as experiências que realizamos<br />
no Samba de roda do Recôncavo baiano,<br />
com Zilda Paim e Roberto Mendes; nos<br />
encontros com compositores populares da Bahia<br />
(Riachão, Jussara Silveira e Roberto Mendes);<br />
no estudo da História do Subúrbio Ferroviário<br />
e na Folia de Reis.<br />
Premissas teóricas norteadoras do<br />
trabalho pedagógico em Novos Alagados:<br />
a educação e o ensino como<br />
prática cultural da liberdade<br />
Ensinar, antes de tudo, é amar, conhecer e<br />
acreditar que os alunos – crianças e adolescentes<br />
– ou educandos, como são comumente<br />
denominados, são portadores de conhecimentos<br />
e saberes que muitas vezes são negados e<br />
abafados pela sociedade da cultura de massas,<br />
com suas informações pautadas pela cultura<br />
oficial. O ato de ensinar pode ser compreendido<br />
como a possibilidade de fazer emergir a experiência<br />
de liberdade diante do conhecimento.<br />
Essas proposições podem ser concebidas e debatidas<br />
num espaço onde a educação tenha uma<br />
função libertadora.<br />
A educação popular, de base libertadora,<br />
como indica Freire (<strong>19</strong>82, p.9), “exige uma postura<br />
crítica, sistemática, que não se ganha a não<br />
ser praticando-a”. Essa educação afirma que<br />
cada pessoa tem uma história singular, que não<br />
se repete, a qual precisamos, enquanto sujeitos,<br />
valorizar e afirmar.<br />
Um dos sentidos da educação de base<br />
libertadora é sair da relação muitas vezes enfadonha<br />
e hierarquizada entre professor e aluno,<br />
passando a uma interação de saberes, diálogos<br />
e conhecimentos mútuos entre os participantes<br />
do processo comunicativo de descobertas, em<br />
comunhão, do mundo.<br />
A educação é um caminho fascinante. Implica<br />
crescimento, fazer mudar, tornar os sujeitos<br />
novos e mais conscientes de si, em um mundo<br />
1<br />
AVSI – Associação de Voluntários para o Serviço Internacional<br />
e CDM – Cooperação para o Desenvolvimento<br />
e Morada Humana. A primeira é uma ONG italiana que<br />
realiza intervenções em contextos de pobreza urbana, violência<br />
e guerra. A segunda, por sua vez, desenvolve importante<br />
trabalho de urbanização de favelas em Belo Horizonte<br />
e Salvador.<br />
114 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 12, n. <strong>19</strong>, p. 113-133, jan./jun., 2003