20.10.2014 Views

Edição Nº 19 - Uneb

Edição Nº 19 - Uneb

Edição Nº 19 - Uneb

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

Nilce da Silva<br />

Em suma, o uso da língua indica a identidade<br />

social do falante e expressa claramente a<br />

relação de dominação da sociedade, e, como o<br />

falante joga neste espaço potencial, durante toda<br />

a sua vida, a subjetividade da pessoa é formada.<br />

Ressaltamos que o uso do corpo na produção<br />

da língua, especialmente a boca, a garganta...<br />

compõem o estilo articulatório do falante,<br />

como a sonoridade e o ritmo. Da mesma forma,<br />

as maneiras polidas de tratamento, as variações<br />

de estilo, o modo de sustentar e de ter o<br />

próprio corpo, impõem a hierarquia entre classes,<br />

sexo e idade.<br />

A língua autorizada de uma pessoa o é por<br />

uma determinada estrutura social e, neste sentido,<br />

o falante autorizado é porta-voz de um grupo.<br />

Assim, o discurso mais eficaz é aquele que<br />

se dá sob condições institucionais com caráter<br />

de ritual, ou seja, é aquele que propicia a formação<br />

de representações, valores e julgamento.<br />

Para que as palavras tenham efeito, elas não<br />

devem apenas ser certas, eles devem ser socialmente<br />

aceitáveis.<br />

Neste ponto do trabalho de Bourdieu (<strong>19</strong>82),<br />

fica clara a crítica que ele faz aos lingüistas de<br />

um modo geral, e mais especificamente a<br />

Saussure e Chomsky. Isto porque, estes não<br />

verificaram os princípios lingüísticos dentro de<br />

diferentes situações nas quais as produções orais<br />

e escritas são produzidas.<br />

De um modo geral, o não domínio da língua<br />

autorizada constituiu-se como algo que falta no<br />

momento de defender o seu próprio espaço<br />

quando em interação<br />

Nos rituais do saber viver, inclusive nas relações<br />

estabelecidas em sala de aula, é notório<br />

o embaraço que se formava segundo relato dos<br />

nossos entrevistados. Pequenas ações do novo<br />

cotidiano letrado: como abordar um estranho,<br />

como encerrar uma conversação, como se apresentar<br />

ou apresentar alguém e outras, acabam<br />

por definir o lugar de uma pessoa no mundo.<br />

Por outro lado, a sala de aula pode ser caracterizada<br />

como multilingüe e multi-cultural, já que<br />

a comunicação em língua padrão se dá de maneira<br />

pobre, truncada e artificial, e outros recursos,<br />

assim como outras línguas e linguagens são<br />

utilizadas no exterior mais explicitamente.<br />

Dito de outro modo, há um reconhecimento<br />

de que, sob certas condições, uma pessoa legítima<br />

pode enunciar, dentro de uma situação legítima,<br />

para receptores tais, através de formas<br />

igualmente legítimas, litúrgicas ou rituais.<br />

Desta forma, observamos que na escola ocorrem<br />

diversos rituais e obter um diploma ou, ainda,<br />

a colação de grau passa a ser tão mágico<br />

como possuir um amuleto. Ou seja, os ritos e<br />

cerimônias têm o poder de criar diferenças que<br />

anteriormente não existiam, ou reforçar as que<br />

já existiam. Além disso, ter um diploma age sobre<br />

o real no momento de se obter um emprego<br />

como age também sobre a representação deste<br />

real. Assim, o indivíduo tem que agir como portador<br />

deste ou daquele diploma. Cria-se uma fronteira<br />

entre os excluídos e os incluídos desta ou<br />

daquela parte, ou de todo o sistema escolar, e,<br />

quase conseqüentemente, do mundo letrado no<br />

caso da alfabetização. Destacamos ainda que a<br />

crença daqueles que participam do ritual é condição<br />

de eficácia para o mesmo.<br />

No caso específico das séries iniciais da alfabetização,<br />

a supressão da formatura da quarta<br />

série promovida pela lei de diretrizes e bases<br />

5692/71, causou um impacto simbólico muito<br />

forte sobre a população de adultos em situação<br />

de alfabetização, isto porque prolongou-se a não<br />

pertinência dos mesmos ao mundo letrado e a<br />

conseqüente legitimação social do fato. Ou seja,<br />

a entrada no mundo mágico deixa de ocorrer.<br />

Um outro aspecto que gostaríamos de apresentar<br />

diz respeito à conclusão de que muitos<br />

dos alunos dos anos iniciais da escolarização,<br />

migrantes na cidade de São Paulo, utilizam a<br />

escrita sem penetrar no seu mundo sagrado.<br />

Ou seja, ela é apenas ato comunicativo e não<br />

de abstração do pensamento. O que não quer<br />

dizer que o contato com o sagrado não se faça<br />

através da oralidade, ou a partir de textos escritos<br />

na língua materna do sujeito.<br />

Depois destas considerações, acreditamos<br />

que estamos perto de definir aspectos importantes<br />

pertinentes à identidade dos nossos sujeitos<br />

da seguinte maneira: acontecem coisas<br />

em suas vidas, porém as pessoas continuam<br />

sendo as mesmas pessoas.<br />

Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 12, n. <strong>19</strong>, p. 173-180, jan./jun., 2003<br />

175

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!