Edição Nº 19 - Uneb
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Yara Dulce B. de Ataíde; Edmilson de Sena Morais<br />
uma etnia pelas ligações biológicas, culturais,<br />
mitológicas ou políticas. Concluímos pelas possibilidades<br />
conceituais de identidades e etnias<br />
negras ou afrodescendentes, no caso brasileiro.<br />
Nesse sentido, “devido aos processos históricos<br />
e sociais vividos por afro-descendentes,<br />
as categorias vindas dos conceitos de identidade<br />
e etnia permitem prever a existência de ‘identidades<br />
negras’” (p.161). Sendo assim, sua assertiva<br />
possui estreita relação com o conceito<br />
de etnia elaborado por d’Adesky (2001, p.<strong>19</strong>2),<br />
relacionando etnia à história, às organizações e<br />
às agremiações sociais politicamente organizadas<br />
no sentido de serem reconhecidas pelo Estado-nação<br />
e, através desse reconhecimento,<br />
poderem dirigir políticas públicas para inserir<br />
democraticamente, no contexto social, econômico<br />
e político, os historicamente excluídos, bem<br />
como dar apoio às organizações não governamentais<br />
quanto a captação de recursos e ações<br />
sociais direcionadas para remediar as ações<br />
depredadoras da colonização.<br />
Cunha Jr.(<strong>19</strong>95, p.161), por razões empíricas<br />
e teóricas, se coloca entre aqueles que acreditam<br />
existir identidade negra. “Não se tratando,<br />
entretanto, de um todo único e uniforme, mas<br />
de identidades negras múltiplas, diferenciadas<br />
entre si, multifacetadas. Tais como são também<br />
as possíveis identidades brancas”. Ele acredita<br />
que certas identidades negras possam ser<br />
construídas em espaços de liberdade, e os exemplos<br />
mais marcantes são os afro-descendentes<br />
criados em torno dos movimentos negros, políticos<br />
e dos movimentos populares, como no seu<br />
caso, e no pertencimento a entidades religiosas<br />
ou rurais, da quase totalidade negra (p.161-162).<br />
A identidade, enquanto algo inerente à História,<br />
está também dentro do seu próprio movimento.<br />
A História, em sua dinâmica, promove<br />
transformações constantes em todos os sentidos<br />
da vida humana, construindo novos sujeitos,<br />
inseridos numa realidade específica, determinada<br />
pelos tempos históricos numa perspectiva<br />
diacrônica.<br />
3. De fora para dentro e de dentro<br />
para fora: uma (re)construção de<br />
identidades e valores sócio-culturais<br />
– o depoimento integral<br />
Com o objetivo de analisar uma experiência<br />
pessoal e toda sua riqueza de vivências, faremos<br />
uma incursão no processo de auto-identificação<br />
étnica de uma das afro-descendentes<br />
participantes do Curso de Corte e Costura Étnica,<br />
promovido pelo CONGO-CENTRO MÉ-<br />
DICO SOCIAL de Alto de Coutos. Dentre as<br />
25 jovens alunas que fizeram parte deste grupo,<br />
elegemos a narrativa de Nidiane por considerá-la<br />
uma das mais significativas que obtivemos<br />
através do relato oral gravado. As narrativas,<br />
segundo Silva (<strong>19</strong>95, p.206):<br />
... podem (e devem) ser vistas como textos abertos,<br />
como histórias que podem ser inventadas,<br />
subvertidas, parodiadas, para contar histórias<br />
diferentes, plurais, múltiplas, histórias que se<br />
abrem para a produção de identidades e subjetividades<br />
contra hegemônicas de oposição.<br />
A partir de agora, conviveremos com Nidiane,<br />
através do seu relato, e, nele, perceberemos<br />
como ela construiu valores e estabeleceu relações<br />
e inferências na construção da(s) sua(s)<br />
identidade(s). Seu relato nos remete a uma reflexão<br />
a partir das diversas referências feitas<br />
por ela quanto aos aspectos etno-culturais presentes<br />
em nossa cultura e formadores da nossa<br />
identidade.<br />
A identidade individual é elaborada em uma aparente<br />
diversidade de universos. Tal concepção<br />
de pluripertencimento implica que a identidade<br />
pessoal se edifica e se conserva por meio das<br />
sínteses de identidades múltiplas que formam<br />
os diversos territórios e possessões do eu<br />
(D’ADESKY, 2001, p. 133).<br />
Nossa interlocutora é uma jovem negramestiça,<br />
estudante do ensino fundamental. Seus<br />
planos para o futuro incluem o desejo de ser<br />
uma “grande costureira”. Ela “ama costurar”,<br />
e afirma que vai encarar qualquer obstáculo para<br />
conseguir seu intento.<br />
Ao tomar conhecimento da abertura das inscrições<br />
para o Curso de Corte e Costura Étnica,<br />
decide matricular-se nele, visto que esta era<br />
Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 12, n. <strong>19</strong>, p. 81-98, jan./jun., 2003<br />
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