Edição Nº 19 - Uneb
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A (re)construção da identidade étnica afro-descendente a partir de uma proposta alternativa de educação pluricultural<br />
cos desses povos dentro de uma visão mais<br />
ampla, valorizando suas arkhés civilizatórias, que<br />
podem contribuir com suas visões de mundo nos<br />
processos de valorização da vida e da preservação<br />
dos ecossistemas (LUZ, <strong>19</strong>99).<br />
Para tanto, uma educação sustentada nesse<br />
viés tem como objetivo valorizar as culturas ancestrais<br />
dos aborígines e afro-descendentes que,<br />
ao longo desses quatro séculos, sofreram e sofrem<br />
discriminação e esvaziamento cultural das<br />
suas matrizes étnicas, principalmente os que estiveram<br />
e estão afastados de comunidades que<br />
lhes dão referências culturais e visões de mundo<br />
próprias como forma de se auto-afirmarem.<br />
Essa educação deve incorporar valores ético-estéticos<br />
– entre outros – dos aborígines e<br />
africanos na dialética da convivência dos diferentes,<br />
respeitando e valorizando suas alteridades,<br />
códigos éticos morais, símbolos, mitos, filosofias,<br />
literatura, arte e hierarquias, que foram<br />
reelaboradas nas Américas pelos africanos e<br />
foram preservadas por muitos grupos aborígenes.<br />
Atualmente, muitos deles estão buscando,<br />
na memória coletiva e na dos mais velhos, a<br />
tradição ancestral que lhes dão dignidade, identidade<br />
e referenciais enquanto sujeitos histórico-culturais.<br />
5<br />
O projeto de educação nacional é exógeno,<br />
baseado no projeto hegemônico capitalista internacional<br />
no sentido de formar sujeitos produtores/consumidores<br />
de seus valores mercadológicos,<br />
para atender à demanda de sua produção<br />
sofisticada e alienadora, internalizando valores<br />
éticos individualistas narcísicos que deformam e<br />
definham expectativas de vida enquanto indivíduos<br />
que necessitam de valores próprios para se<br />
auto-afirmarem (LUZ, <strong>19</strong>99, p.61-66).<br />
Os alunos recebem uma proposta curricular<br />
baseada nos valores euro-americanos que deformam,<br />
depreciam e desconsideram as alteridades<br />
nos seus valores mais intrínsecos numa sala<br />
de aula. Isso compele cada vez mais crianças e<br />
jovens em formação a renegarem suas pessoas<br />
enquanto seres culturais na sua essência, com<br />
ancestralidade, cultura e modo de ser e viver<br />
próprios da sua origem étnica e da sua comunalidade,<br />
que está repleta de representações e<br />
relações, tornando-os sujeitos plurais.<br />
A educação é um instrumento poderosíssimo<br />
nas mãos dos interesses hegemônicos internacionais<br />
reproduzidos nas escolas, onde são aplicadas<br />
apenas teorias pedagógicas dissociadas<br />
dos valores referenciais sócio-ético-estéticos<br />
dos alunos que, por sua vez, são obrigados a<br />
reprimi-los ou sublimá-los, submetendo-se a um<br />
tipo de “cartilha pedagógica” ideologicamente<br />
individualista, consumista e etnocentrista.<br />
O pedagogo formado dentro dos princípios<br />
universalistas tende a ser um reprodutor de teorias<br />
epistemes alienígenas. Quando isso ocorre,<br />
ele perde sua identidade, deixa de ser o condutor<br />
do processo e passa a ser conduzido pelas<br />
tendências externas, como se fora ele uma<br />
mera marionete.<br />
O projeto colonizador europeu, inicialmente,<br />
pretendia relegar os afro-descendentes a uma<br />
condição de completa ausência de referências<br />
étnico-identitárias. Quase conseguiu atingir este<br />
propósito. A instituição das ações “terapêuticas”<br />
promovidas pelo Estado Terapêutico 6 e a sua<br />
taxionomia, preconizavam a homogeneização<br />
das diferenças culturais “alijando as alteridades,<br />
já que representam ‘desvios’, ‘selvageria’, merecendo,<br />
portanto, um tratamento que possa<br />
curar” (LUZ, 2000, p.32). Por fim, a ideologia<br />
do branqueamento passou a ser um referencial<br />
de “ser” numa sociedade onde as oportunidades<br />
eram maiores para aqueles com a cor de<br />
pele cada vez mais clara (MUNANGA,<strong>19</strong>88).<br />
Não raro ouvimos, num passado não muito<br />
remoto, muitas mulheres negras dizerem para<br />
suas filhas: “vamos limpar esta raça”. Essa<br />
concepção deveu-se ao processo da exclusão<br />
social e do mercado de trabalho, dominado pelo<br />
falso discurso da democracia racial. Isto se<br />
desenvolveu de tal forma que os indivíduos de<br />
5<br />
É o caso do grupo indígena Fulni-ô (Águas Belas/PE)<br />
que está resgatando, através da memória e da história, sua<br />
língua materna o Yaathê através de uma cartilha (ANAÍ,<br />
<strong>19</strong>94, p. 6-9).<br />
6<br />
“... um Estado que erige em relação ao seu funcionamento,<br />
organização e estabilidade, valores que constituirão<br />
padrões de comportamentos concentrados numa perspectiva<br />
una, unidimensional, totalizante, absoluta, tentando<br />
assegurar, dessa forma, o índice de ‘normalidade’<br />
necessário à sua afirmação” (LUZ, 2000, p. 30).<br />
84 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 12, n. <strong>19</strong>, p. 81-98, jan./jun., 2003