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Edição Nº 19 - Uneb

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Jaci Maria Ferraz de Menezes<br />

geiros que haviam entrado no território nacional<br />

antes do dia 15 de novembro de 1889, data<br />

da proclamação da república, salvo expressa<br />

manifestação em contrário.<br />

d) convocadas eleições gerais para a Assembléia<br />

Nacional Constituinte, estabelece-se como<br />

critério único para a cidadania ativa o saber ler<br />

e escrever (embora se mantenha também a<br />

exclusão dos mendigos, dos religiosos e dos<br />

“praças de pré” – soldados rasos). Os estrangeiros<br />

objeto da naturalização acima referida<br />

podiam participar da eleição desde que cumprissem<br />

essas mesmas condições. É bom lembrar<br />

que a exclusão dos analfabetos da cidadania<br />

ativa não começa com a República e, sim,<br />

com a Lei Saraiva, em 1881.<br />

Estava, então, em discussão, ao lado da<br />

formatação do Novo Estado Brasileiro, a questão<br />

da formação da nova nação brasileira, e sua<br />

participação no “concerto das nações civilizadas”.<br />

Ao mesmo tempo, reafirmava-se a “natureza e<br />

vocação agrícola do Brasil” – e, portanto, a sua<br />

manutenção dentro do papel de país agro-exportador<br />

de produtos primários, com o café<br />

liderando a produção (embora outros produtos<br />

também entrassem na pauta, como o cacau). A<br />

criação de gado entrava como atividade secundária.<br />

As tentativas de implantação de uma<br />

indústria nacional só vão ganhar força na década<br />

de trinta do século 20, em outro momento de<br />

exceção. No nordeste brasileiro, usineiros de<br />

açúcar seguem sendo os comandantes da economia<br />

e política locais. Quem decide quais os<br />

participantes desta nação? Quem eram os novos<br />

“homens bons” que iriam decidir sobre o destino<br />

dela?<br />

Nesta discussão sobre a nova nação brasileira,<br />

o que de fato estava em jogo era a decisão<br />

sobre os partícipes da cidadania ativa: quem<br />

decidia os rumos do país, já que não havia uma<br />

cabeça coroada que decidisse, em última instância,<br />

pela nação, ela própria constituída, se<br />

não formalmente (porque a Constituição do Império<br />

não se referia à instituição da escravidão),<br />

mas na prática, por herança da legislação colonial,<br />

por indivíduos que eram senhores ou escravos<br />

intermediados por uma terceira categoria,<br />

os libertos, 2 que tinham um status legal<br />

e formal diverso dos homens livres.<br />

Além disso, já não havia a Família Imperial,<br />

nem uma aristocracia (digamos que a nobreza<br />

local sempre foi um tanto ou quanto insólita) e<br />

tampouco existiam escravos. Seriam, entretanto,<br />

todos “homens livres”? Implantada a Liberdade,<br />

passamos a viver o reino da Igualdade?<br />

Diante da imensa maioria formada por homensde-cor,<br />

ex-escravos ou seus descendentes,<br />

como se comportaram as elites dirigentes, formadas<br />

por donos de terras, ex-donos de escravos<br />

ou por letrados, muitas vezes a seu serviço?<br />

Como se realiza a sua inclusão em nação e<br />

cidadanias brasileiras?<br />

2<br />

Manuela Carneiro da Cunha, em seu livro “Negros, estrangeiros”<br />

(<strong>19</strong>85), faz um estudo sobre os libertos na<br />

sociedade brasileira, como elementos intrínsecos à ordem<br />

escravocrata, na qual estava embutido o espaço em que,<br />

via violência e opressão (os mecanismos de controle), se<br />

moviam os libertos. A ordem escravocrata, face ao grande<br />

número de escravos, tinha a sua segurança diretamente<br />

dependente da satisfação da população livre de cor, que<br />

inclusive podia ou não ter interesses diferentes dos escravos.<br />

Os libertos que, por sua vez, criavam múltiplas formas<br />

de solidariedade entre si tinham suas relações com o<br />

mundo dos brancos reguladas institucionalmente, e muito<br />

na dependência da forma pela qual alcançavam a libertação<br />

- os caminhos da alforria que, na maioria das vezes,<br />

era comprada por pecúlio próprio, formado por trabalho,<br />

empréstimo tomado à junta de alforria, ao canto ou à<br />

irmandade da qual fazia parte. No entanto, apesar de paga,<br />

a alforria era apresentada sempre como uma dádiva do<br />

senhor, sempre vista como uma questão privada, na qual<br />

o Estado não devia intervir (e só o fez, como vimos, a<br />

partir de 1871), por fazer parte do direito de propriedade.<br />

Tampouco a Igreja tinha o direito de intervir. Assim<br />

apresentada, a alforria tinha como contraface a criação de<br />

laços morais entre patrono e liberto, que passava a dever<br />

“gratidão” e uma espécie de vassalagem, ou de subordinação<br />

política extra-econômica. A ingratidão podia, inclusive,<br />

servir de motivo para a rescisão da alforria. Segundo a<br />

autora (p.48), “A esperança de manumissão é central ao<br />

sistema escravista e complementar aos castigos e à violência<br />

física usados. Era construída de tal modo que ela<br />

passava pela dependência pessoal do senhor ou eventualmente<br />

de outro senhor. Aqui estaria o fundamento do<br />

sistema de subordinação que se mantém pós-alforria”.<br />

Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 12, n. <strong>19</strong>, p. <strong>19</strong>-40, jan./jun., 2003<br />

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