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Edição Nº 19 - Uneb

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Sandra Simone Q. Morais Pacheco<br />

entendida aqui como um conjunto de práticas<br />

médicas preventivas e curativas em que o ponto<br />

de partida para o diagnóstico, tratamento, recuperação,<br />

reabilitação é o corpo biológico, destituído<br />

de subjetividade e descontextualizado sócio-culturalmente.<br />

Esse corpo é considerado como<br />

sendo uma máquina que está funcionando mal,<br />

precisando de reparos para que volte à normalidade.<br />

Esta normalidade é retomada a partir da<br />

interferência de um saber cientificamente comprovado,<br />

baseado na classificação, na experimentação<br />

empírica e na explicação descritiva, saber<br />

esse exercido por profissionais formados nas<br />

hostes daquela visão reinante.<br />

Em função da concepção acima reproduzse,<br />

na relação profissional de saúde/paciente, a<br />

dicotomia já anteriormente observada, isto é, de<br />

um lado alguém que sabe, que tem legitimidade<br />

para intervir no corpo de outro; do outro lado<br />

um ser destituído da possibilidade de opinar sobre<br />

seu próprio corpo, à mercê das interpretações<br />

científicas estabelecidas. Isto evidencia um<br />

outro aspecto importante da abordagem biomédica:<br />

a relação de poder que se estabelece a<br />

partir do saber legitimado pela ciência, em que<br />

os conteúdos, os métodos, os conceitos são saberes<br />

centralizadores, ligados a instituições que<br />

funcionam vinculadas a um discurso científico<br />

organizado no interior de uma sociedade<br />

hierarquizada (FOUCAULT, <strong>19</strong>98).<br />

Postula-se neste trabalho que esta visão ocidental,<br />

segmentada e hierarquizada, é um entrave<br />

na forma como os profissionais que lidam<br />

com alimentação compreendem e atuam nos<br />

processos educativos e de intervenção nutricional<br />

dos indivíduos atendidos em diferentes esferas<br />

do sistema médico. Os processos terapêuticos<br />

parecem ineficazes quando enfatizam o<br />

corpo biológico e destituem o sujeito de sua<br />

vivência psico-social e cultural. Sabe-se que o<br />

homem busca também nos símbolos, nas crenças<br />

e nos deuses a resolução dos males que o<br />

afligem. São comuns práticas consideradas<br />

“místicas” serem ridicularizadas por profissionais<br />

de saúde, sem que seja percebido por eles<br />

o contexto cultural onde se origina esta prática,<br />

o valor que ela tem no imaginário do grupo social<br />

de que o indivíduo faz parte.<br />

A reflexão sobre uma delimitação do campo<br />

que usualmente se define como cultura talvez<br />

seja o primeiro e mais importante passo na<br />

discussão de uma abordagem conceitual mais<br />

ampla na área de saúde e nutrição. Pode-se<br />

pensar a cultura como o próprio campo onde os<br />

comportamentos/hábitos são gerados; “... um<br />

conjunto de mecanismos de controle – planos,<br />

receitas, regras, instruções – para governar o<br />

comportamento” (GEERTZ, <strong>19</strong>89, p.56.). Para<br />

o mesmo autor, o homem é o animal mais desesperadamente<br />

dependente destes mecanismos<br />

de controle para ordenar seu comportamento,<br />

pois:<br />

... o que lhe é dado de forma inata são capacidades<br />

de resposta extremamente gerais, as quais,<br />

embora torne possível uma maior plasticidade,<br />

complexidade e, nas poucas ocasiões em que<br />

tudo trabalha como deve, uma efetividade de<br />

comportamento, deixam-no muito menos regulado<br />

com precisão (...). A cultura, a totalidade acumulada<br />

de tais padrões, não é apenas um ornamento<br />

da existência humana, mas uma condição<br />

essencial para ela – a principal base da sua<br />

especificidade (p.58).<br />

No âmbito da cultura alimentar, quando se<br />

observam as diferenças na alimentação de grupos<br />

sociais diversos, pode-se pensar que elas<br />

não ocorrem como parte de uma escolha individual<br />

ou pessoal, e sim como resultado de um<br />

complexo processo social em que são definidos,<br />

entre outras coisas, os alimentos comestíveis<br />

e como, quando, onde e com quem se<br />

come. Isso pode ser facilmente constatado<br />

quando se observa que não existe qualquer alimento<br />

cujo significado derive exclusivamente<br />

de suas características intrínsecas: todos dependem<br />

das associações culturais que a sociedade<br />

lhes atribui (CONTRERAS, <strong>19</strong>93).<br />

Os hábitos alimentares são, dessa forma,<br />

parte integrante da totalidade da cultura, apesar<br />

de sua concepção estar comumente associada<br />

a um modo padronizado de pensar, sentir<br />

ou agir que foi adquirido pelo indivíduo e tornou-se,<br />

em grande parte, inconsciente e automático.<br />

Quando se alarga esse referencial englobando<br />

a cultura percebe-se que, apesar da<br />

tendência em se achar que este comportamento<br />

habitual é movido por automatismos incons-<br />

Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 12, n. <strong>19</strong>, p. 181-188, jan./jun., 2003<br />

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