Edição Nº 19 - Uneb
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Narcimária Correia do Patrocínio Luz<br />
to de ser anglo-saxônico ou ibérico do qual se<br />
originam o pensamento educacional e a analítica<br />
da finitude que os constituem (no dizer de<br />
Foucault)?<br />
Não custa nada insistir em enfatizar ou<br />
relembrar aqui algumas sabedorias africanobrasileira<br />
e aborígine para notarmos a fragilidade<br />
dessas análises etnocêntricas.<br />
Mãe Aninha, a saudosa Iyá Oba Biyi, fundadora<br />
do Ilê Axé Opô Afonjá, em relação à<br />
projeção sobre a continuidade do patrimônio<br />
africano no Brasil como legado para as gerações<br />
sucessoras dizia: “Quero ver minhas<br />
crianças amanhã de anel no dedo e aos pés<br />
de Xangô”<br />
Mestre Didi nutre o mesmo sentimento:<br />
“Evoluir sem perder a essência”.<br />
Marcos Terena, em relação à prepotência<br />
dos valores do mundo branco e a imposição dos<br />
mesmos a sua comunalidade, afirma com determinação:<br />
“Eu posso ser o que você é sem<br />
deixar de ser quem sou”.<br />
Uma amiga, Jófej Kaingang, conta que teve<br />
que ir estudar Direito no “mundo dos brancos”<br />
e, quando ia deixar a comunidade para embrenhar-se<br />
no repertório jurídico do universo urbano,<br />
os anciãos da sua comunalidade chamaramna<br />
para indagar sobre a necessidade desse esforço.<br />
Para os mais velhos, a ética do povo<br />
Kaingang é radicalmente diferente do mundo<br />
dos valores brancos, e eles não acreditavam que<br />
ela pudesse aprender nada de bom dentro desse<br />
universo estrangeiro. No entender dos<br />
anciãos, as sociedades dos brancos criam leis<br />
que eles mesmos não cumprem..<br />
Ela respondeu que precisava conhecer essas<br />
leis do mundo branco para poder defender<br />
e expandir os direitos da sua comunalidade.<br />
Permitiram, então, sua partida. Hoje, Jófej é<br />
advogada e defende, como guerreira, os interesses<br />
do seu povo.<br />
Essas iniciativas que destacamos nos inspiram<br />
a perseguir iniciativas em prol das Diversidades<br />
Culturais, produzindo possibilidades<br />
didático-pedagógicas que afirmem que EDU-<br />
CAR é repor os valores e princípios herdados e<br />
reelaborados legado ancestral. É expansão<br />
sócio-existencial da diversidade humana, fruto<br />
de civilizações milenares que inauguraram diversos<br />
territórios em todos os cantos do planeta,<br />
e que lutam há séculos, tenazmente, para<br />
mantê-lo viável à vida.<br />
Todo o impacto das proposições sobre educação,<br />
a partir do universo africano, tem o intuito<br />
de ilustrar como é possível o intercâmbio<br />
entre culturas, sem a perda de suas singularidades.<br />
O MONOPÓLIO DA FALA<br />
EM EDUCAÇÃO<br />
A educação, que sobredetermina o viver cotidiano<br />
de distintos povos do planeta, é regulada<br />
pelo monopólio da fala etnocêntrico-evolucionista.<br />
Aqui, o mito de Édipo torna-se fundamental<br />
para abrirmos essa reflexão, porque demonstra<br />
o quanto a onipotência que alimenta as políticas<br />
de educação lineariza, estabelece taxionomias,<br />
simulacros, providencia discursos e retóricas que<br />
saturam todos os espaços que cria, inviabilizando<br />
sistematicamente o florescer de outras epistemes<br />
civilizatórias. A história de Édipo é interessante<br />
pois marca:<br />
... o poder do Ocidente exatamente porque expõe<br />
a pretensão de um olhar universal. Édipo-<br />
Rei é uma tragédia da visão – ele pode ver tudo,<br />
mas não se vê. Ao cegar-se, no final, interiorizando<br />
a sua visão, ele ainda está na pretensão de<br />
tudo ver, mesmo na escuridão. É essa onipotência<br />
edipiana que estrutura o mundo ocidental<br />
que arma o olho funcionalizando-o em termos<br />
eficazes, de todos os recursos possíveis, para<br />
se investir da veleidade de um poder de visão<br />
universal. (SODRÉ, <strong>19</strong>84, p.17).<br />
A lógica dessa onipotência edipiana, característica<br />
da episteme ocidental, reveste-se de princípios<br />
ético-estéticos que visam apenas transformar<br />
o outro no mesmo, ou melhor, o outro<br />
fragmentado, submetido à veleidade de um<br />
poder de visão universal.<br />
É assim que o pensamento cerne das políticas<br />
educacionais, não consegue se abrir para<br />
acolher a riqueza de linguagens e valores que<br />
caracterizam a diversidade cultural de povos<br />
milenares. 3<br />
3<br />
Sobre esses aspectos, conferir obras de Fanon, Césaire e<br />
Diop nas referências bibliográficas.<br />
Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 12, n. <strong>19</strong>, p. 61-80, jan./jun., 2003<br />
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