Edição Nº 19 - Uneb
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Yara Dulce B. de Ataíde; Edmilson de Sena Morais<br />
A priorização da questão étnica africana no<br />
currículo do curso levou Nidiane a perceber e<br />
refletir que ela já havia tomado um curso de<br />
corte e costura anteriormente, mas não com<br />
este enfoque, o que lhe pareceu “muito importante”.<br />
A inclusão da temática e das discussões<br />
a respeito das questões étnicas e raciais fez com<br />
que ela aceitasse facilmente a proposta apresentada<br />
no curso.<br />
Ao se identificar com os valores éticos e<br />
estéticos da proposta do curso, Nidiane percebeu<br />
imediatamente e, de maneira eloqüente e<br />
significativa, os elementos culturais da sua etnia,<br />
até então não trabalhados. Esse processo de<br />
sua identificação, enquanto negra, foi facilitado<br />
pela linhagem paterna negra. A construção de<br />
sua identidade foi privilegiada, dessa forma, pela<br />
referência à sua patridescendência negra.<br />
Ao terminar o curso, Nidiane cultivava o desejo<br />
de ser uma “grande costureira”.<br />
– Quero ser conhecida no Brasil inteiro... quero<br />
produzir roupas muito admiradas... Desejo que a<br />
beleza negra venha estar aqui no Brasil, em todo<br />
o Brasil, principalmente aqui na Bahia... a Bahia<br />
tem, mas, não como a gente está produzindo... e<br />
quero que aconteça logo, assim...<br />
Além dos aspectos culturais, políticos e profissionais,<br />
o curso também propiciou reflexões<br />
profundas que influenciaram nas formas de ser<br />
e pensar dos alunos. Segundo Nidiane:<br />
– O curso... mudou muito a minha postura... antes<br />
eu não me comunicava muito... se fosse para<br />
dar essa entrevista, eu não dava... eu era assim...<br />
era muito calada, mas agora me desenvolvi... uma<br />
coisa boa se desenvolveu dentro de mim... meu<br />
eu agora está diferente... não me comunicava com<br />
ninguém. Ficava dentro de casa... Mas, depois<br />
que eu entrei nesse curso, mudou... agora eu<br />
converso com todo o mundo, eu falo com todo<br />
mundo, me comunico com todo o mundo... todo<br />
mundo que chega aqui, eu me comunico... a primeira<br />
a se comunicar sou eu...<br />
A proposta curricular do curso, além de promover<br />
uma formação técnica-profissional, privilegiou,<br />
também, a formação integral, rompeu<br />
estigmas e elevou a auto-estima dos sujeitos<br />
sociais em questão. Eles tiveram aulas de Língua<br />
Portuguesa, Matemática, Etnia, Cidadania,<br />
Comunicação e Expressão, postura, psicodrama,<br />
atividades lúdicas, técnicas de relaxamento, dinâmicas<br />
grupais de socialização e realizaram<br />
passeios e visitas a outras instituições. Enfim, a<br />
proposta do curso pretendia desconstruir sujeitos<br />
historicamente submetidos à “pedagogia terapêutica<br />
e do recalque”, elaborada pelos poderes<br />
dominantes e baseada no discurso eurocêntrico<br />
de educação, para formar sujeitos cultural<br />
e politicamente posicionados, com uma<br />
nova identidade étnica e uma nova consciência<br />
de cidadania. (LUZ, 2000, p.68).<br />
Nidiane representa o resultado de uma proposta<br />
político-educacional promotora de transformações<br />
de indivíduos numa perspectiva pluricultural.<br />
Ao se auto-identificar, enquanto comunicativa<br />
– o que não era anteriormente – ela<br />
demonstra que, quando os atores sociais são<br />
reconhecidos e respeitados como cidadãos,<br />
ocorre uma metamorfose e esses sujeitos exteriorizam<br />
identidades até então silenciadas e represadas<br />
pelo processo de falta e exclusão dos<br />
bens sociais e culturais produzidos pela sociedade.<br />
A capacidade de se expressar, de se reconhecer<br />
como indivíduo-sujeito, histórico,<br />
social e cultural, promove transformações radicais<br />
na forma de ser e de pensar o mundo.<br />
Como não poderia deixar de ser, também<br />
nesse agrupamento, as relações humanas geraram<br />
tensões e desentendimentos. Nesse processo,<br />
as identidades sociais, culturais e grupais<br />
ao se chocarem, promovem, nesta interação,<br />
novas reflexões e novas posturas.<br />
Nidiane afirma:<br />
- Aí é que está o problema!...<br />
As relações grupais, durante o convívio no<br />
curso, foram conflituosas em alguns momentos<br />
e, às vezes, geraram grandes tensões. Houve<br />
estranhamentos, rupturas e condutas agressivas.<br />
No período inicial da convivência do grupo,<br />
houve uma cisão por parte de um grupo de<br />
meninas oriundas da invasão Nova Constituinte,<br />
localizada naquelas imediações. As identidades,<br />
dessa forma, cristalizam-se estabelecendo<br />
fronteiras e dissensões.<br />
Assim relata Nidiane:<br />
A metade das meninas mora aqui, mas não moram<br />
bem aqui em cima, sabe?... Moram lá para<br />
Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 12, n. <strong>19</strong>, p. 81-98, jan./jun., 2003<br />
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