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Edição Nº 19 - Uneb

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Sandra Simone Q. Morais Pacheco<br />

fundo a promoção de ações educativas, toma o<br />

hábito como impedimento à adoção de comportamentos<br />

mais racionais frente à alimentação.<br />

Em muitos casos, é clara a força destes hábitos<br />

e a dificuldade que encontra o indivíduo em<br />

adaptar-se a novos estilos de alimentar-se, pois<br />

os hábitos ritualizam-se, incorporam-se ao cotidiano,<br />

preenchem funções simbólicas, reproduzem-se<br />

num espaço/tempo indeterminado, independentemente<br />

da função fisiológica (CAS-<br />

TRO; PELLIANO, <strong>19</strong>85).<br />

O trabalho na área de educação alimentar,<br />

cujo objetivo é geralmente a modificação e/ou<br />

introdução de hábitos, é considerado por profissionais<br />

da área de nutrição como o maior<br />

desafio da prática cotidiana. Hábitos arraigados,<br />

geralmente carregados de significados psicológicos<br />

e sociais, são profundamente difíceis<br />

de serem mudados. O paladar é um elemento<br />

importante na escolha dos alimentos e sua preparação,<br />

e, de modo geral, convencer o indivíduo<br />

a consumir ou deixar de consumir determinados<br />

alimentos é uma tarefa árdua e que nem<br />

sempre produz os resultados esperados.<br />

O Relatório Nacional Brasileiro da Cúpula<br />

Mundial da Alimentação, realizada em Roma<br />

em <strong>19</strong>96, considera que a informação correta<br />

sobre hábitos alimentares recomendáveis é um<br />

componente essencial nas políticas de combate<br />

a distúrbios nutricionais e deve ser priorizada<br />

nas ações educativas em nutrição. Esta recomendação<br />

institucional ainda cita os hábitos alimentares<br />

errôneos arraigados na população,<br />

como possível elemento contribuinte na determinação<br />

de distúrbios nutricionais de variadas<br />

ordens. Nestas recomendações, se chama atenção<br />

para uma concepção que se encontra freqüentemente<br />

na literatura da área: a idéia do<br />

hábito “errado”, gerando doenças e do “certo”,<br />

que deve ser perseguido pelo indivíduo para que<br />

ele tenha saúde.<br />

Luís da Câmara Cascudo (<strong>19</strong>67), no livro<br />

História da Alimentação no Brasil, pontua<br />

algumas predileções alimentares que os séculos<br />

tornaram hábitos, que só podem ser explicados<br />

como uma norma de uso, um respeito à<br />

herança mantida pela tradição. Para ele, os<br />

padrões alimentares são “... inarredáveis como<br />

acidentes geográficos na espécie geológica”<br />

(<strong>19</strong>67, p.4), que só se modificarão na dependência<br />

do mesmo processo de formação: o tempo.<br />

Impõe-se a compreensão da cultura popular como<br />

realidade psicológica, entidade subjetiva atuante,<br />

difícil de render-se a uma imposição legislativa<br />

ou a uma pregação teórica (...). A batalha das<br />

vitaminas, a esperança do equilíbrio das proteínas,<br />

terão de atender às reações sensíveis e naturais<br />

da simpatia popular pelo seu cardápio,<br />

desajustado e querido (...). Falar das expressões<br />

negativas da alimentação para criaturas afeitas<br />

aos seus pratos favoritos (...) é ameaçar um ateu<br />

com as penas do inferno” (p.5).<br />

O que geralmente se observa, na prática dos<br />

profissionais de nutrição que lidam cotidianamente<br />

com hábitos arraigados e considerados<br />

muitas vezes absurdos, do ponto de vista científico,<br />

é que a orientação ou educação alimentar<br />

parte de um pressuposto normativo, presente<br />

nos livros, distante da realidade social das famílias.<br />

A visão de que há uma forma única de<br />

se alimentar pode incorrer em descrença por<br />

parte da população que tem dificuldade em largar<br />

suas crenças, por vezes relacionadas à religião<br />

ou, então, por um conhecimento adquirido<br />

oralmente por influência de pessoas de prestígio<br />

dentro da comunidade.<br />

Em um país com a diversidade cultural que<br />

tem o Brasil, a implementação de políticas públicas<br />

locais é imperativa para a resolução dos<br />

problemas nutricionais, além do que a atuação<br />

dessas políticas, na esfera educativa, para que<br />

seja eficaz, necessita incorporar linguagens diversas<br />

em que as práticas alimentares incorporadas<br />

possam ser reconhecidas.<br />

As políticas públicas na área de alimentação<br />

e nutrição têm usualmente se pautado em<br />

práticas clientelistas, em que a doação de alimentos<br />

cumpre o papel central na minimização<br />

das desigualdades sociais. Os parcos resultados<br />

conseguidos por esse tipo de ação isolada<br />

têm sido apontados como resultantes de práticas<br />

limitantes e limitadoras na resolução dos<br />

problemas nutricionais. Ao se ater à distribuição<br />

de cestas básicas padronizadas à população<br />

de baixa renda, os programas não mobilizam<br />

o capital cultural que se encontra latente<br />

nos diversos grupos sociais e que poderiam ser<br />

Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 12, n. <strong>19</strong>, p. 181-188, jan./jun., 2003<br />

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