Edição Nº 19 - Uneb
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A (re)construção da identidade étnica afro-descendente a partir de uma proposta alternativa de educação pluricultural<br />
arraigados. A questão da relação e da convivência<br />
com o “outro”, o diferente, está no cerne<br />
desta problemática. Compelidos pela necessidade<br />
de superação de impasse tão grave, cientistas<br />
sociais e educadores colocaram no centro<br />
de suas indagações as questões relativas à<br />
alteridade, ao diverso, ao plural e aos numerosos<br />
“outros” que convivem, dialogam, educam,<br />
oprimem ou são oprimidos na nossa sociedade.<br />
Todas estas discussões nos remetem à questão<br />
da complexidade humana e social, bem como<br />
aos múltiplos e contínuos processos de construção<br />
das identidades em permanentes interações.<br />
Este processo ocorre através de relações<br />
simétricas e assimétricas que compõem os intrincados<br />
processos globalizantes das relações sociais<br />
e de produção.<br />
Os escritos sobre identidade nos revelam<br />
que, por conta das suas mais variadas manifestações,<br />
hoje, mais do que nunca, esta torna-se<br />
objeto de perscrutação dos cientistas sociais,<br />
no intuito de entender como ela é construída<br />
pelos atores sociais e como se apresenta em<br />
seus contextos histórico-culturais.<br />
O indivíduo, enquanto construção social, resultado<br />
dos valores e das relações intrínsecas da<br />
sociedade à qual pertence, é construído como<br />
sujeito que interage na dinâmica das relações de<br />
produção. Nas infinitas formas de agir, ser, viver,<br />
pensar o mundo (construir, morar, brincar,<br />
produzir símbolos, lutar, resistir), torna-se, enfim,<br />
um sujeito histórico. Neste caso, segundo Ciampa<br />
(2001, p.157), a “identidade é história”; portanto,<br />
para ele, “não há personagem fora da história,<br />
assim como não há história (ao menos história<br />
humana) sem personagens”.<br />
Sendo assim, todo indivíduo, além de possuir<br />
uma identidade pessoal, social, étnica, de<br />
gênero, de sexo, local, regional e nacional, possui<br />
outras tantas difíceis de enumerar. Estes<br />
sujeitos sociais possuem variadas identidades<br />
culturais como efeito das constantes trocas simbólicas<br />
com valores de outras culturas sob os<br />
efeitos da globalização. Nessa nova configuração<br />
mundial preconizada pelo neo-liberalismo,<br />
são evidenciados nódulos de tensão em determinadas<br />
relações hegemônicas gestadas pelo<br />
imperialismo e que ainda se perpetuam em<br />
áreas do leste europeu, África e Ásia, atingindo,<br />
em especial, os sujeitos da diáspora africana<br />
e os sujeitos pós-coloniais. 9<br />
Nesse contexto, insere-se a identidade étnica<br />
afro-descendente – num estudo de caso objeto<br />
deste artigo – antes oprimida e silenciada<br />
que (re)surge, enquanto projeto político-social<br />
da comunidade afro-brasileira na conquista de<br />
sua cidadania plena e de uma identidade construída<br />
e socializada através dos valores da sua<br />
história e das suas matrizes étnico-culturais. Já<br />
estamos há mais de um século da chamada<br />
“abolição da escravatura”, mas a conquista<br />
completa da inserção social, política e cultural<br />
dos afro-descendentes ainda está por ser<br />
alcançada. Isso não se diferencia muito em<br />
outras partes do globo, onde muitos povos continuam<br />
lutando pela descolonização.<br />
O processo complexo da construção da(s)<br />
identidade(s) se estabelece de forma diferenciada<br />
de indivíduo para indivíduo e de grupo para<br />
grupo, a partir das contingências históricas favoráveis<br />
ou desfavoráveis, sem falar nos processos<br />
conflituosos que geram estratégias de<br />
auto-preservação étnica, provocados pelas lutas<br />
locais, nacionais e internacionais. Também<br />
as guerras interétnicas e os conflitos entre nações<br />
provocam diásporas, principalmente, no<br />
nosso caso, a diáspora de africanos maciçamente<br />
promovida pelo tráfico negreiro até meados<br />
do século XIX.<br />
Os filhos da diáspora africana lutaram por<br />
sua preservação física e cultural durante séculos,<br />
começando a conquistar a cidadania apenas<br />
a partir da segunda metade do século XX<br />
através de muitas lutas e movimentos sociais,<br />
os quais continuam em busca da universalização<br />
dos seus direitos. Dessa forma, a auto-identificação<br />
“negro”, utilizada pelo Movimento Negro<br />
Unificado (MNU), nada mais é do que uma<br />
atitude política de luta e resistência aos estigmas<br />
do colonialismo, perpetuadas nas sociedades<br />
pós-coloniais, quando a questão do racismo<br />
9<br />
Ver, entre outros, Silva (<strong>19</strong>95) e Hall (2000), que em<br />
seus textos citam reflexões de pensadores pós-colonialistas<br />
como Paul Gilroy, Edward Said, Frantz Fanon, Homim<br />
Bahba e outros.<br />
88 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 12, n. <strong>19</strong>, p. 81-98, jan./jun., 2003