Edição Nº 19 - Uneb
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Do monopólio da fala sobre educação à poesia mítica africano-brasileira<br />
O efeito dessas pulverizações sobre as diversidades<br />
culturais visa dar continuidade ao<br />
recalque sobre a importância, para o povo brasileiro,<br />
dos contínuos civilizatórios aborígines e<br />
africanos na constituição da própria idéia de<br />
nacionalidade.<br />
Demos esse destaque para enfatizar a superfície<br />
do empirismo empregado nessas afirmações<br />
que denegam, enfaticamente, as identidades<br />
profundas que elaboram as dinâmicas<br />
históricas e existenciais de muitos povos.<br />
Queremos ratificar apenas que o status de<br />
“tema transversal” e abordagem teórica do<br />
MEC não corresponde à exuberância de valores<br />
e linguagens dos distintos patrimônios civilizatórios<br />
que influenciam o nosso viver cotidiano,<br />
determinando a dinâmica pluricultural.<br />
Não podemos conceber pluralidade cultural<br />
na superfície do olhar edipiano que produz o<br />
monopólio da fala sobre a existência e tende a<br />
consagrar a bacia semântica neocolonial.<br />
O que os tecnoburocratas e analistas simbólicos<br />
da educação têm fomentado nessa perspectiva,<br />
é o esquadrinhamento cartorial que dá<br />
supremacia às matérias e/ou disciplinas clássicas<br />
(Língua Portuguesa, Matemática, Ciências<br />
Naturais, História, Geografia, Língua Estrangeira<br />
e Educação Física), consideradas fundamentais<br />
à vida da nossa população infanto-juvenil,<br />
submetendo-a ao engradamento burocrático dos<br />
ciclos do currículo escolar destituído de comunalidade.<br />
Assim negligenciada, a Pluralidade Cultural<br />
perde as suas potências: arkhé, eidos, ethos,<br />
princípios estruturadores de comunalidade, princípios<br />
seminais indispensáveis aos educadores<br />
que pretendem iniciar-se na episteme propulsora<br />
da riqueza ético-estética da educação e<br />
sua relação medular com as diversidades culturais<br />
que caracterizam os distintos povos do<br />
planeta.<br />
Há que se ter cuidado com os discursos e<br />
retóricas extremamente charmosos sobre “pluralidade<br />
cultural”, restritos a modismo e relações<br />
utilitaristas.<br />
A cautela que exigimos sobre isso chama<br />
atenção para as metanarrativas desprovidas de<br />
princípios seminais (núcleo deste ensaio) que<br />
fragmentam, banalizam, superficializam as experiências<br />
milenares de complexos civilizatórios,<br />
primordiais para a compreensão do que somos<br />
como povo.<br />
Pensar e propor políticas que privilegiem as<br />
diversidades culturais, é impulsionar “... as<br />
subjacências absolutas do religare: humanidade<br />
e cosmos, natureza, estrutura comunitária,<br />
linhagem, dinastia, ancestralidade e continuidade<br />
existencial – a sacralidade da vida.” (SAN-<br />
TOS, 2002, p.28).<br />
É nesse sentido que investimos na ruptura<br />
com o monopólio da fala neocolonial, ou, como<br />
propôs Frantz Fanon:<br />
... talvez conviesse recomeçar tudo (...) reinterrogar<br />
o solo, o subsolo, os rios – e por que não? O<br />
sol (...) A discussão do mundo colonial pelo colonizado<br />
não é um confronto racional de pontos de<br />
vista. Não é o discurso sobre o universal, mas a<br />
afirmação desenfreada de uma singularidade admitida<br />
como absoluta (FANON, <strong>19</strong>68, p.31).<br />
O horizonte, que abriremos a partir de agora,<br />
pretende aproximar os educadores de uma outra<br />
episteme que, compreendida na sua complexidade,<br />
pode ajudar-nos a desencadear novas elaborações<br />
que estabelecem formas de solidariedade<br />
e respeito para as distintas experiências que<br />
caracterizam as diversidades culturais.<br />
ARKHÉ, EIDOS E ETHOS:<br />
PRINCÍPIOS SEMINAIS ESTRUTURA-<br />
DORES DA COMUNALIDADE AFRICA-<br />
NO-BRASILEIRA<br />
A potência das noções de arkhé, eidos e<br />
ethos, que abordaremos, repousa nas dinâmicas<br />
existenciais de populações milenares, cuja<br />
pulsão de sociabilidade expressa o discurso sobre<br />
a experiência do sagrado e promove o acesso<br />
a um complexo sistema simbólico que influencia,<br />
profundamente, a estruturação de comunalidades.<br />
A tônica colocada sobre essas noções as<br />
focaliza como princípios seminais, isto porque<br />
estamos lidando com relações simbólicas riquíssimas<br />
carregadas de elaborações emocionais,<br />
transcendentais e imanentes, primordiais à experiência<br />
humana com o seu meio ético, social<br />
e cósmico.<br />
66 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 12, n. <strong>19</strong>, p. 61-80, jan./jun., 2003