Edição Nº 19 - Uneb
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Yara Dulce B. de Ataíde; Edmilson de Sena Morais<br />
era ainda muito mais evidente e explicita do que<br />
é hoje. Entretanto, a questão da tonalidade da<br />
pele estabelece diferenciações, e o termo “negro”<br />
não é mais aceito por muitos. Estes, influenciados<br />
pela teoria do branqueamento que os<br />
“moreniza”, não se acham negros de fato. 10<br />
Os processos de auto-adscrição étnica ocorridos<br />
no Brasil, por conta do tráfico negreiro,<br />
promoveram uma reorganização étnica por parte<br />
dos escravos e dos negros livres. Assim, configuraram-se<br />
aqui na Bahia dois grandes grupos:<br />
os jêje e os nagô, que, por sua vez, no processo<br />
contínuo de relações interétnicas, foram compondo<br />
uma população cada vez mais caldeada,<br />
principalmente por eles, e hoje estão identificados<br />
em todo o Brasil através do culto ao orixá e<br />
aos ancestrais nas comunidades de terreiros.<br />
As religiões africanas tiveram papel fundamental<br />
na construção de uma identidade étnica africano-brasileira,<br />
no que Silva (2001, p.21) considera<br />
“formadoras que são de uma identidade<br />
sedimentada a partir dos ancestrais e seus arquétipos”.<br />
Em nosso caso, devido às nossas especificidades<br />
históricas, a estratificação social foi definida<br />
etnicamente sob a égide das classes dominantes<br />
senhoriais que determinaram a diferenciação<br />
social de forma estigmatizada pela<br />
origem etno-racial e as relações de trabalho.<br />
Portanto, esse processo de diferenciação se<br />
estabelece, até hoje, por conta do racismo, e,<br />
por isso, os movimentos sociais negros têm como<br />
bandeira de luta a igualdade, a conquista de direitos<br />
e a inserção social do negro na sociedade<br />
de classes. Esses movimentos sociais, desde<br />
o início, lutaram e continuam lutando pela<br />
auto-afirmação étnica e social dos afro-descendentes,<br />
buscando nos referenciais dos movimentos<br />
africanos e brasileiros nossas matrizes culturais<br />
africanas e, principalmente, no culto religioso<br />
afro, valores para a constituição de uma<br />
identidade étnica. Esta luta ocorre fora da escola,<br />
já que esta nega ou se omite, nada fazendo<br />
para enfrentar, discutir e buscar a superação<br />
de impasses históricos como este.<br />
A identidade étnica afro-descendente, assim<br />
como todas as demais identidades e formas de<br />
auto-identificação de grupos humanos e de indivíduos,<br />
é ainda uma questão que demanda reflexões<br />
profundas pela fugacidade da sua apreensão<br />
enquanto objeto de estudo. Este fato mantém<br />
a comunidade científica da sociologia dividida,<br />
ao tempo em que muitas instituições sociais<br />
ainda permanecem ausentes da discussão.<br />
Segundo Hall, (2000, p.8):<br />
... o próprio conceito com o qual estamos lidando,”<br />
identidade”, é demasiadamente complexo,<br />
muito pouco desenvolvido e muito pouco compreendido<br />
na ciência social contemporânea para<br />
ser definitivamente posto à prova. Como ocorre<br />
com muitos outros fenômenos sociais, é impossível<br />
oferecer afirmações conclusivas ou fazer julgamentos<br />
seguros sobre as alegações e proposições<br />
teóricas que estão sendo apresentadas.<br />
Assim, por ser algo que diz respeito a processos<br />
mais complexos do fazer humano, ela<br />
insere-se no campo da subjetividade humana,<br />
área subjacente da racionalidade, com a qual<br />
estabelece intrínseca relação enquanto resultado<br />
do processo do viver social, através de símbolos,<br />
imagens, codificações e significações,<br />
resultantes das práticas sócio-histórico-culturais<br />
e das representações sociais abstraídas desse<br />
convívio.<br />
Devido a essa complexidade própria do ser<br />
humano e das contradições das relações sociais<br />
e de produção, mais do que nunca as identidades<br />
afloram em contextos diversos nessa<br />
“modernidade tardia” ou pós-modernidade, como<br />
é denominada por muitos estudiosos atuais. Elas<br />
estão imersas nesse caleidoscópio das mais<br />
variadas realidades culturais, ilhas ou arquipélagos<br />
de culturas, imbricadas nas mais diferentes<br />
teias de universos simbólicos constituidores<br />
de seus modos próprios de ser e ver o mundo.<br />
Telles (<strong>19</strong>96), comparando os afro-americanos<br />
e afro-brasileiros, percebe que, apesar de,<br />
no Brasil, as marcas de identidade étnica africana<br />
serem mais acentuadas culturalmente, ainda<br />
assim não existe uma consciência étnica – diferentemente<br />
do que ocorre nos Estados Unidos –<br />
não só devido à segregação racial, como, também,<br />
à residencial (guetos e favelas). Para ele,<br />
10<br />
Cf. Silva (<strong>19</strong>96), no seu trabalho com os dados do<br />
censo de <strong>19</strong>76 e <strong>19</strong>95.<br />
Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 12, n. <strong>19</strong>, p. 81-98, jan./jun., 2003<br />
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