20.10.2014 Views

Edição Nº 19 - Uneb

Edição Nº 19 - Uneb

Edição Nº 19 - Uneb

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

Yara Dulce B. de Ataíde; Edmilson de Sena Morais<br />

há identificação ou que não fazem parte do contexto<br />

social no qual o sujeito está inserido. O<br />

outro, o alienígena, o diferente, transforma-se<br />

numa figura ameaçadora e persecutória, que<br />

provoca a criação de barreiras e defesas que<br />

visam a necessidade de proteção e isolamento<br />

contra o perigo iminente que este outro representa.<br />

Do ponto de vista de Nidiane:<br />

– A metade das meninas mora aqui, mas elas não<br />

moram bem aqui em cima... moram lá em baixo...<br />

na tal da invasão, a Rua Direta da Constituinte...<br />

são elas mesmas que costumam chamar lá de<br />

invasão... são as próprias moradoras da invasão<br />

que falam assim... elas não são pessoas de boa<br />

reputação, com quem se deva andar junto...<br />

Fica bem clara, na fala de Nidiane, a diferença<br />

estabelecida a partir do referencial residencial:<br />

as meninas do Alto de Coutos são representantes<br />

de um grupo - as daqui de cima -<br />

e as demais, aquelas outras, são de outro grupo,<br />

as de lá de baixo.<br />

O conflito entre esses dois grupos é reforçado<br />

pelo fato de que as jovens da invasão da<br />

Nova Constituinte já são mães-de-família, mas<br />

não agem como tais, e “não se comportam como<br />

meninas direitas”. A maternidade precoce e<br />

sem companheiro, isto é, sem o marido ratificador<br />

da relação matrimonial, ainda é um grande<br />

diferenciador em nossa sociedade. Como<br />

ficou evidente na entrevista com Nidiane, uma<br />

parte dessas jovens possui os referenciais típicos<br />

da família tradicional. Mesmo as pessoas<br />

de classes populares, pauperizadas pela conjuntura<br />

presente, ainda preservam os valores<br />

da boa conduta que determinam a identidade<br />

de uma pessoa de família, de uma mulher digna<br />

e de respeito.<br />

Como resultado desses olhares diferenciadores,<br />

do ponto de vista de quem vê o outro, as<br />

jovens lá de baixo foram rejeitadas e excluídas<br />

do grupo lá de cima porque não possuíam<br />

referenciais que se coadunassem com os princípios<br />

éticos adotados pelas referidas jovens.<br />

Não se sentindo acolhidas pelas de lá de cima,<br />

em contrapartida, as rejeitadas, as de lá de<br />

baixo, denominaram as de lá de cima de<br />

patricinhas, ou seja, as sofisticadas.<br />

Nidiane se considera uma pessoa comunicativa,<br />

pois “se comunica com todo mundo”.<br />

De fato, seu relato foi animado, seguro, direto e<br />

cheio de detalhes. O que mais nos impressiona<br />

é a forma entusiasmada com que ela abraçou a<br />

proposta do curso. Ela vibrou com aquela nova<br />

perspectiva. A identidade negra aflorou nos seus<br />

gestos e nas suas falas. Para ela, tudo aquilo<br />

era algo inusitado. A beleza negra tornou-se um<br />

grande diferenciador em sua vida, não só no<br />

processo de construção da sua identidade étnica<br />

e de gênero, enquanto mulher negra, mas<br />

também enquanto profissional.<br />

Nidiane, apesar de considerar constrangedoras<br />

algumas situações geradas no seu processo<br />

de socialização, terminou por acreditar<br />

que até o final do curso aquelas situações iriam<br />

se modificar. Face à maneira como o curso estava<br />

sendo conduzido, ela acreditava que as situações<br />

problemáticas seriam satisfatoriamente<br />

resolvidas. O clima no qual o curso foi realizado<br />

– sob a égide da sociabilidade e da liberdade<br />

– sinalizava para Nidiane a perspectiva<br />

de uma coexistência pacífica para o grupo, o<br />

que de fato veio a acontecer. As arestas foram<br />

sendo esmerilhadas pelos valores éticos propostos<br />

e trabalhados durante todo o processo de<br />

interações múltiplas e de constantes trocas de<br />

conhecimentos e reconhecimentos.<br />

Em Coutos, há várias ruas com nomes de<br />

países africanos e asiáticos, a começar pelo<br />

próprio nome da instituição que fica na Rua do<br />

Congo. Outras ruas como Sudão, Guiné etc,<br />

também estão presentes naquele espaço.<br />

Nidiane, apesar de não saber informar a respeito<br />

dos nomes das ruas daquele lugar,<br />

ressignifica a presença desses nomes naquele<br />

local. Para ela:<br />

– Ruas com nomes de países africanos?... acho<br />

que tem tudo a ver com a África, com a raça<br />

negra... tem tudo a ver... aí é que a gente vai ver<br />

que a cultura deles está chegando para nós...<br />

chegando para a gente aqui... já chegou, mas a<br />

gente não sabia... nossos olhos, nossa visão<br />

estavam tapados... agora é que estão se abrindo,<br />

principalmente com este curso... abriu muito<br />

nossa visão para que a gente viesse enxergar a<br />

beleza deles e viéssemos colocar em prática esse<br />

trabalho da costura étnica...<br />

Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 12, n. <strong>19</strong>, p. 81-98, jan./jun., 2003<br />

95

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!