Edição Nº 19 - Uneb
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A (re)construção da identidade étnica afro-descendente a partir de uma proposta alternativa de educação pluricultural<br />
Nessa fala, podemos inferir que, para Nidiane,<br />
a presença de referenciais africanos já existiam<br />
na sua comunidade, mas não eram até<br />
então percebidos, ou seja, os sujeitos não se<br />
apropriavam desses elementos enquanto parte<br />
de suas existências. Esse universo material e<br />
cultural repleto de símbolos e de representações<br />
era carente de significado para as pessoas<br />
enquanto elementos de uma cultura material<br />
e espiritual que deveria ser concebida e reconhecida<br />
como elementos de uma arkhé estruturante<br />
desses sujeitos históricos.<br />
A inserção dessa jovem naquele universo<br />
propiciador de muitas experiências e reflexões,<br />
promoveu uma revolução no seu modo de pensar<br />
e ver o mundo que contribuiu decisivamente<br />
para a ampliação de seus horizontes e de<br />
suas perspectivas em relação a si própria e à<br />
sua comunidade.<br />
O contexto do curso promoveu inferências<br />
a respeito da sua realidade e das relações sociais<br />
e culturais que mantém com os vários sujeitos<br />
nela inseridos. Novas leituras de mundo foram<br />
feitas a partir de um referencial teóricoconceitual<br />
que lhe mostrou como vivem os afrodescendentes<br />
em nossa sociedade.<br />
As metáforas utilizadas pela entrevistada,<br />
quanto à cegueira cultural e estrutural daquelas<br />
pessoas, mostram o quanto nosso patrimônio<br />
cultural africano está sendo desprivilegiado em<br />
relação aos novos artefatos e valores globalizantes.<br />
Em contrapartida, ela percebe o curso como<br />
vetor realimentador dos valores culturais das<br />
nossas matrizes étnicas, principalmente a africana.<br />
Repensar a questão étnica nessa perspectiva<br />
trouxe a possibilidade de novas leituras<br />
e redimencionamentos dos valores culturais e<br />
históricos dos povos da diáspora que fazem<br />
parte da nossa matriz civilizatória.<br />
É necessário que entidades sociais e culturais<br />
realizem o trabalho de reconstituição das<br />
edificações culturais representativas do patrimônio<br />
histórico-cultural e baluarte civilizatório<br />
africano. Isso deve ser feito de maneira didática,<br />
educativa e socializante. Deve ser fruto de<br />
interações sociais, educacionais e culturais, nas<br />
quais predomine a reflexão a respeito das identidades<br />
culturais, possibilitando novos enfoques e<br />
um novo pensar a respeito dessas questões.<br />
A conquista da participação num espaço<br />
privilegiado é outra característica dos sujeitos<br />
envolvidos no curso objeto deste estudo de caso.<br />
Todos os candidatos, de uma maneira geral,<br />
passaram por uma seleção constituída por entrevistas,<br />
conversas e debates. Assim, estar ali<br />
foi um processo que marcou muito a vida de<br />
todos eles. Ao tratar disso, assim Nidiane se<br />
reporta:<br />
– Muitos queriam estar aqui no nosso lugar, mas<br />
não puderam... queriam reivindicar nosso lugar...<br />
queriam falar em nosso lugar... mas não puderam,<br />
porque foram inscritas várias pessoas, acho<br />
que quase cem, mas só foram selecionadas trinta...<br />
então, essas setenta que ficaram lá fora queriam<br />
ficar em nosso lugar... não tinha espaço para<br />
todas elas, entendeu?... Então, eu acho muito<br />
importante que a gente viesse aqui reivindicar<br />
nosso trabalho... desenvolver o nosso trabalho<br />
através de uma entrevista que viesse sair, né?...<br />
não ficasse só aqui no Congo, no Alto de Coutos,<br />
só aqui em Periperi, mas que viesse sair para<br />
outro lugar o nosso trabalho...<br />
No trecho acima, Nidiane nos relata sua<br />
satisfação pela vitória em ter sido selecionada<br />
numa disputa acirrada de quase cem concorrentes,<br />
segundo ela. Isso aumentou sua autoestima,<br />
ao tempo em que a conscientizou da<br />
sua responsabilidade quanto ao sucesso do projeto.<br />
Sentiu que seu desempenho no curso influiria<br />
na imagem do mesmo e na possibilidade<br />
dos seus resultados serem divulgados para o<br />
público.<br />
A presente entrevista, para Nidiane, tinha<br />
esse cunho divulgador, apesar de ter-lhe sido<br />
explicado que ela estava sendo realizada para<br />
fins de um trabalho acadêmico e não para fins<br />
de divulgação jornalística. Na sua perspectiva, o<br />
trabalho desenvolvido no CONGO – CENTRO<br />
MÉDICO SOCIAL deveria ser ampliado para<br />
outras áreas, não só em Periperi e Alto de Coutos,<br />
mas também em outras áreas da cidade.<br />
CONCLUSÃO<br />
Projetos voltados para a educação pluricultural<br />
ainda estão longe de serem concretizados<br />
96 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 12, n. <strong>19</strong>, p. 81-98, jan./jun., 2003