Edição Nº 19 - Uneb
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Odemodé egbé asipá: para além do “ensino da história e cultura afro-brasileira”<br />
O corpo docente do curso constituiu-se de<br />
profissionais que fazem parte da própria comunidade<br />
e de outros profissionais da UNEB e do<br />
CEFET, sensíveis à área de Educação Pluricultural.<br />
A repercussão que o projeto teve nas vidas<br />
dos jovens foi muito significativa, segundo suas<br />
próprias afirmações, principalmente quanto à<br />
profissionalização. Em nosso contexto, onde o<br />
desemprego predomina e o trabalho escraviza<br />
o ser humano, é preciso que nossos jovens ganhem<br />
força e direção no sentido de se apropriarem<br />
dos recursos tecnológicos urbano-industriais<br />
e, assim, possam afirmar a preservar suas<br />
identidades.<br />
O propósito do Projeto Odemodé era de criar<br />
uma linguagem pedagógica que pudesse corresponder<br />
com essa expectativa de capacitação<br />
profissional, procurando fortalecer os jovens,<br />
desenvolvendo determinadas habilidades para<br />
a sua inserção no mundo do trabalho, mas, principalmente,<br />
enfatizando habilidades e conhecimentos<br />
que concorressem para a afirmação dos<br />
valores comunitários.<br />
A comunidade-terreiro Ilê Asipá criou e desenvolveu<br />
o Odemodé em função das políticas<br />
de recalque às identidades dos afro-descendentes,<br />
exercidas pela escola oficial no Brasil (LUZ,<br />
2000). A escola oficial brasileira atua como um<br />
instrumento pelo qual o Estado pratica uma política<br />
de embranquecimento, enfocando uma<br />
cidadania judaico-cristã. O Odemodé representa<br />
uma reação à política educacional brasileira<br />
de recalque e denegação da diversidade e<br />
pluralidade cultural de nossa população.<br />
3.1. História da África através da<br />
referência mítico-ancestral<br />
Para esta abordagem, destaca-se o módulo<br />
de História da África, dentro da perspectiva de<br />
fortalecimento da identidade cultural. As aulas<br />
desse módulo foram ministradas pelo professor<br />
Marco Aurélio Luz, membro da comunidade Ilê<br />
Asipá e cientista social.<br />
Como conteúdo curricular, estiveram presentes<br />
a História do reino Oyó e Ketu, no século<br />
XIX, as etnias que deram continuidade ao processo<br />
de instalação e expansão das comunidades<br />
institucionalizadas, conhecidas como terreiros,<br />
os valores, a linguagem e a tradição africana.<br />
É nesse momento que emerge a riqueza das<br />
formas de comunicação resultantes de uma relação<br />
marcante na cultura africano-brasileira,<br />
a relação entre ancestralidade e educação, resultando<br />
na forma escolhida pelo professor para<br />
o curso: os contos míticos transmitidos na comunidade<br />
por Mestre Didi.<br />
O ethos africano-brasileiro, marcado pelo<br />
elemento estético, da música, da dramatização<br />
e dos contos não poderia deixar de estar presente<br />
no contexto dessas aulas. Destaco que<br />
ethos africano-brasileiro – a sua forma social,<br />
comunal, presente na linguagem e comunicação,<br />
desde as relações estabelecidas com a natureza<br />
até a música e ritmo – constitui a identidade<br />
própria dessas populações e transborda<br />
para um plano transcendente, o eidos.<br />
Não é portanto apenas o ethos, característico<br />
do modo de vida das comunidades-terreiro, que<br />
irradia princípios existenciais constituintes da<br />
cultura negra que estruturam a identidade histórica<br />
e social do mais significativo segmento<br />
populacional. É, sobretudo o seu eidos, sua dimensão<br />
transcendente atualizado no aqui e agora<br />
das relações sócio-litúrgicas do egbé (LUZ,<br />
<strong>19</strong>95, p 68).<br />
Por eidos entendemos a forma como a linguagem,<br />
cosmogonia, a forma social africanobrasileira<br />
se concretiza, se estabelece e se realiza<br />
no mundo caracterizando-se por uma dimensão<br />
transcendente que alimenta a sua sociabilidade<br />
e as redes de relações comunitárias.<br />
Os contos presentes na liturgia africano-brasileira<br />
representam a nossa ancestralidade, a continuidade<br />
e os vínculos comunitários e também<br />
são uma forma de diálogo entre a comunalidade<br />
e a sociedade oficial. Sua originalidade está no<br />
modo pelo qual expressam formas específicas<br />
de transmissão de valores da tradição, sendo de<br />
cunho pedagógico em que o desenvolvimento<br />
ocorre numa situação do aqui e agora, referido a<br />
uma experiência de vida, capaz de gerar uma sabedoria<br />
acumulada. Nesse contexto a comunicação<br />
ocorre de maneira direta, pessoal ou<br />
intergrupal, dinâmica, acompanhada por cânticos,<br />
culinária, liturgia, danças e dramatizações.<br />
(LUZ, <strong>19</strong>98, p.37).<br />
108 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 12, n. <strong>19</strong>, p. 99-111, jan./jun., 2003