Eurocentrismo, política externa norte-americana e fundamentalismo islâmico no filme inglês Com as horas contadas um homem religioso. Por outro lado, é curioso que a idéia de redenção, acompanhada de recompensa material (sacos de ouro) ou mitológica (harpa de ouro), apareça nas últimas falas do filme quando, em Hawar, dois correspondentes contemplam a manchete de um diário inglês com frustração. Uma outra leitura comportaria um processo de atualização, de recuperação do Velho Testamento, fonte comum para cristãos e muçulmanos. Nesse processo, o repórter se associa e é associado a Caim pela errância. No entanto, Granville, mesmo que o seja à sua revelia, acaba reescrevendo, em nosso entendimento, o percurso da personagem bíblica, dotando-a e dotando-se por tabela de uma missão redentora. Esse jornalista morre (sacrifício) para fazer chegar a Londres a mensagem que irá repor seu amigo no poder (a salvação). Assim, Granville chega ao final do filme e de sua vida como um Caim revisto, um Caim redentor. V Com as Horas Contadas, entre outras coisas, revela um diferencial no tratamento dos povos árabes. A antiga representação da Arábia como palco exclusivo de uma “sexualidade exuberante” (quase sempre associada a seqüestro, ciúme, revanche e escravidão) cede lugar nesse filme à representação de perfídia, traição e revoltas, traços recorrentes a uma boa parcela da representação dos árabes no cinema, conforme Michalek (<strong>19</strong>89, p.3-9). A velha dicotomia Oriente (Antigüidade) versus Ocidente (modernidade) é trabalhada no filme em foco com mais matizes, com mais densidade. Tende-se mecanicamente a associar o Oriente do filme a um regime de governo, à idade do emir deposto e a algumas representações de visões radicais da interrelação religiãogoverno. Ao Ocidente ali ficcionalizado, tendemos a associar automaticamente juventude (a da arqueóloga), ciência e a presença da imprensa sem censura prévia, entre outros aspectos. No entanto, a dicotomia aqui resumida comporta contradições, pois o inverso também se configura. Ou seja, a presença do petróleo é um dado novo na economia dos países árabes (a rigor, a partir dos anos 30), enquanto que o dado do Ocidente colonializante não o é. O repórter Granville Jones é o Ocidente, mas ele é tão moderno em costumes e modo de ser quanto o seu amigo deposto. O jovem oriental, tanto aquele que sobe ao poder após o golpe, quanto o “fundamentalista” Al-Bakr, é vinculado a uma tradição. Assim, ambos são a corporificação de um passado distante. Desse modo, a amostra de juventude do Oriente é desqualificada pela interligação radical que esses jovens propõem entre religião e governo. Já a juventude do Ocidente, Romy, representa vida (ela faz parte das melhores rememorações de Granville), vigor (pratica acrobacias na praia) e, principalmente, representa a ciência. Sinteticamente, o velho e o novo possuem valências diversas, dependendo se eles estão associados ao Ocidente ou ao Oriente. Neste último, encontram-se algumas das alteridades étnicas ao repórter e à arqueóloga. O fato é que, ao final do filme, após tantas rememorações, deslocamo-nos do embate inicial entre monoteísmos e fomos por instantes em direção ao universo do politeísmo da mitologia greco-latina, cultura-base da ocidentalidade. A nossa leitura teve como um de seus objetivos apontar para certas reapropiações de imaginários com a finalidade de estabelecer uma determinada visão de mundo. Observamos, entre outras coisas, um jornalista melancólico reescrever, meio á revelia, o percurso do banido Caim bíblico, sendo o jornalista considerado, por si mesmo, como mais um “errante” e, pela arqueóloga, como o incumbido de uma missão redentora. Não foi à-toa que ele morreu por aquela missão. 170 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 12, n. <strong>19</strong>, p. 159-171, jan./jun., 2003
Júlio César Lobo REFERÊNCIAS BARRACLOUGH, G. Introdução à História Contemporânea. São Paulo, SP: Companhia do Livro, [<strong>19</strong>64?]. BOULANGER, P. Le Cinéma Colonial. Paris: Cinema 2000, <strong>19</strong>75. GAUDREAULT, A.; JOST, F. Cinéma et Récit II: Le Récit Cinématographique. Paris: Nathan, <strong>19</strong>90. GENETTE, G. Discurso da Narrativa. Lisboa: Vega, <strong>19</strong>76. GOOD, H. Outcasts: the image of journalists in contemporary film. Metuchen: Scarecrow, <strong>19</strong>89. GROSSBERG, L. Cultural Studies and/in New Worlds. Critical Studies in Mass Communication, New York, n.10, p.1-22, <strong>19</strong>93. HERÓDOTO. História, Livro II (Euterpe). Brasília, DF, UnB, <strong>19</strong>82. MICHALEK, L. The Arab in American cinema. Cineaste, New York, v. 17, n.1, <strong>19</strong>89 (encarte). PIERUCCI, A. Fundamentalismo e integrismo. In: _____. Ciladas da Diferença. São Paulo, SP: Ed. 34, <strong>19</strong>99. p. p.177-200. SAID, E. Orientalismo: o Oriente como invenção do Ocidente. São Paulo, SP: Cia. das Letras, <strong>19</strong>96. SIMMEL, G. Sociologia. São Paulo, SP: Ática, <strong>19</strong>83. XAVIER, I. Parábolas cristãs no século da imagem. Imagens, Campinas, n. 5, p. 8-17, <strong>19</strong>95. Recebido em 30.05.03 Aprovado em 10.07.03 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 12, n. <strong>19</strong>, p. 159-171, jan./jun., 2003 171
- Page 1 and 2:
ISSN 0104-7043 Revista da FAEEBA Ed
- Page 3 and 4:
UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA - U
- Page 5 and 6:
S U M Á R I O Editorial ..........
- Page 7 and 8:
S U M M A R Y Editorial ...........
- Page 9 and 10:
EDITORIAL A Revista da FAEEBA - EDU
- Page 11 and 12:
EDUCAÇÃO E PLURALIDADE CULTURAL:
- Page 13 and 14:
educativa em Novos Alagados, descre
- Page 15 and 16:
iniciativa de publicar cinco deles
- Page 19 and 20:
Jaci Maria Ferraz de Menezes A REP
- Page 21 and 22:
Jaci Maria Ferraz de Menezes geiros
- Page 23 and 24:
Jaci Maria Ferraz de Menezes antes
- Page 25 and 26:
Jaci Maria Ferraz de Menezes 2. AN
- Page 27 and 28:
Jaci Maria Ferraz de Menezes 1. O i
- Page 29 and 30:
Jaci Maria Ferraz de Menezes capaze
- Page 31 and 32:
Jaci Maria Ferraz de Menezes voto d
- Page 33 and 34:
Jaci Maria Ferraz de Menezes B. O P
- Page 35 and 36:
Jaci Maria Ferraz de Menezes Com es
- Page 37 and 38:
Jaci Maria Ferraz de Menezes condi
- Page 39 and 40:
Jaci Maria Ferraz de Menezes TABELA
- Page 41 and 42:
Edivaldo Machado Boaventura ESTUDOS
- Page 43 and 44:
Edivaldo Machado Boaventura g) a po
- Page 45 and 46:
Edivaldo Machado Boaventura (DEPS/S
- Page 47 and 48:
Edivaldo Machado Boaventura QUADRO
- Page 49 and 50:
Edivaldo Machado Boaventura maior.
- Page 51:
Edivaldo Machado Boaventura REFERÊ
- Page 54 and 55:
Biología del monstruo: la identida
- Page 56 and 57:
Biología del monstruo: la identida
- Page 58 and 59:
Biología del monstruo: la identida
- Page 60 and 61:
Biología del monstruo: la identida
- Page 62 and 63:
Do monopólio da fala sobre educaç
- Page 64 and 65:
Do monopólio da fala sobre educaç
- Page 66 and 67:
Do monopólio da fala sobre educaç
- Page 68 and 69:
Do monopólio da fala sobre educaç
- Page 70 and 71:
Do monopólio da fala sobre educaç
- Page 72 and 73:
Do monopólio da fala sobre educaç
- Page 74 and 75:
Do monopólio da fala sobre educaç
- Page 76 and 77:
Do monopólio da fala sobre educaç
- Page 78 and 79:
Do monopólio da fala sobre educaç
- Page 80 and 81:
Do monopólio da fala sobre educaç
- Page 82 and 83:
A (re)construção da identidade é
- Page 84 and 85:
A (re)construção da identidade é
- Page 86 and 87:
A (re)construção da identidade é
- Page 88 and 89:
A (re)construção da identidade é
- Page 90 and 91:
A (re)construção da identidade é
- Page 92 and 93:
A (re)construção da identidade é
- Page 94 and 95:
A (re)construção da identidade é
- Page 96 and 97:
A (re)construção da identidade é
- Page 98 and 99:
A (re)construção da identidade é
- Page 100 and 101:
Odemodé egbé asipá: para além d
- Page 102 and 103:
Odemodé egbé asipá: para além d
- Page 104 and 105:
Odemodé egbé asipá: para além d
- Page 106 and 107:
Odemodé egbé asipá: para além d
- Page 108 and 109:
Odemodé egbé asipá: para além d
- Page 110 and 111:
Odemodé egbé asipá: para além d
- Page 113 and 114:
José Eduardo Ferreira Santos PRÁT
- Page 115 and 116:
José Eduardo Ferreira Santos onde
- Page 117 and 118:
José Eduardo Ferreira Santos cas i
- Page 119 and 120: José Eduardo Ferreira Santos gem,
- Page 121 and 122: José Eduardo Ferreira Santos de pr
- Page 123 and 124: José Eduardo Ferreira Santos com a
- Page 125 and 126: José Eduardo Ferreira Santos Na á
- Page 127 and 128: José Eduardo Ferreira Santos Foi n
- Page 129 and 130: José Eduardo Ferreira Santos de 32
- Page 131 and 132: José Eduardo Ferreira Santos receb
- Page 133: José Eduardo Ferreira Santos SAMPA
- Page 136 and 137: Lavagem do Bonfim: entre a produç
- Page 138 and 139: Lavagem do Bonfim: entre a produç
- Page 140 and 141: Lavagem do Bonfim: entre a produç
- Page 142 and 143: Lavagem do Bonfim: entre a produç
- Page 144 and 145: Lavagem do Bonfim: entre a produç
- Page 146 and 147: Lavagem do Bonfim: entre a produç
- Page 148 and 149: Por uma escola da roça 1. INTRODU
- Page 150 and 151: Por uma escola da roça educação
- Page 152 and 153: Por uma escola da roça la rural, i
- Page 154 and 155: Por uma escola da roça feiras nos
- Page 156 and 157: Por uma escola da roça elas”, te
- Page 158 and 159: Por uma escola da roça LUZ, Marco
- Page 160 and 161: Eurocentrismo, política externa no
- Page 162 and 163: Eurocentrismo, política externa no
- Page 164 and 165: Eurocentrismo, política externa no
- Page 166 and 167: Eurocentrismo, política externa no
- Page 168 and 169: Eurocentrismo, política externa no
- Page 173 and 174: Nilce da Silva PLURALIDADE CULTURAL
- Page 175 and 176: Nilce da Silva Em suma, o uso da l
- Page 177 and 178: Nilce da Silva Ainda para este auto
- Page 179 and 180: Nilce da Silva QUADRO 3 - As palavr
- Page 181 and 182: Sandra Simone Q. Morais Pacheco ALI
- Page 183 and 184: Sandra Simone Q. Morais Pacheco ent
- Page 185 and 186: Sandra Simone Q. Morais Pacheco bil
- Page 187 and 188: Sandra Simone Q. Morais Pacheco fun
- Page 191 and 192: Antonio Sérgio Alfredo Guimarães
- Page 193 and 194: Antonio Sérgio Alfredo Guimarães
- Page 195 and 196: Antonio Sérgio Alfredo Guimarães
- Page 197 and 198: Antonio Sérgio Alfredo Guimarães
- Page 199 and 200: Antonio Sérgio Alfredo Guimarães
- Page 201 and 202: Antonio Sérgio Alfredo Guimarães
- Page 203 and 204: Antonio Sérgio Alfredo Guimarães
- Page 205 and 206: José Manuel Gonçalves RELAÇÕES
- Page 207 and 208: José Manuel Gonçalves tório da O
- Page 209 and 210: José Manuel Gonçalves igualdade c
- Page 211 and 212: José Manuel Gonçalves ANEXO ESTAT
- Page 213 and 214: José Otávio Serra Van-Dúnem ANGO
- Page 215 and 216: José Otávio Serra Van-Dúnem tes
- Page 217 and 218: José Otávio Serra Van-Dúnem argu
- Page 219 and 220: Ubiratan Castro de Araújo CONEXÃO
- Page 221 and 222:
Ubiratan Castro de Araújo salizaç
- Page 223 and 224:
Ubiratan Castro de Araújo interpos
- Page 225 and 226:
Ubiratan Castro de Araújo sores da
- Page 227:
Ubiratan Castro de Araújo das as t
- Page 230 and 231:
Valores civilizatórios afro-brasil
- Page 232 and 233:
Valores civilizatórios afro-brasil
- Page 234:
Valores civilizatórios afro-brasil
- Page 238:
INSTRUÇÕES AOS COLABORADORES A Re